Minas Gerais

LUTA NEGRA

Vendido como escravizado, o abolicionista Luiz Gama estudou direito por conta própria

Figura emblemática do movimento negro, há 140 anos o advogado partiu sem ver o fim da escravização no Brasil

São Paulo | SP | |
Busto de Luiz Gama, Brasil, São Paulo, Largo do Arouche, 2009 - RAOOS

A palavra foi a maior arma de Luiz Gama contra a escravidão. Foi com a oratória eloquente que o advogado autodidata conseguiu garantir a liberdade de centenas de pessoas escravizadas e se transformar no patrono da abolição.  

Naquela época, o Brasil aderia às leis abolicionistas em ritmo de conta-gotas. Era pelas brechas do judiciário que Luiz Gama garantia os direitos das pessoas escravizadas. 

“Luiz Gama, além de ser um advogado brilhante, estima-se que libertou mais de 500 pessoas escravizadas - o que é uma grande inspiração -, também trouxe esse lado da humanização da pessoa negra, da crítica da sociedade e de uma mudança do mundo em que ele viva”, ressalta a advogada Rachel Costa.

Luiz Gama nasceu em Salvador, no ano de 1830. Era filho da relação de uma mulher escravizada, Luiza Main, com um fidalgo português, de quem ele não gostava muito de falar. O pai o negociou como escravizado aos 10 anos de idade. E Gama seguiu nesta condição até os 17 anos. 

Em contato com um jovem advogado, se alfabetizou e tentou ingressar na faculdade de direito do Largo do São Francisco, em São Paulo. Encontrou as portas fechadas pelo racismo.

Foi pelos livros que Luiz Gama superou a decepção de não poder estudar direito. Se dedicou com afinco, aprendeu as leis e, em pouco tempo, já estava advogando. A primeira causa ganha foi em benefício próprio: ele conseguiu provar perante os juízes que jamais deveria ter sido escravizado.

Na época em que Luiz Gama nasceu, filhos de escravizadas alforriadas já nasciam livres. Além disso, no ano seguinte, em 1831, entrou em vigor a proibição do tráfico de pessoas escravizadas no Atlântico. Gama dedicou a sua carreira como advogado a fazer cumprir essas leis.

“Ele [Gama] vai compreendendo formas de trabalhar dentro do que nós tínhamos, dentro da legislação brasileira, contra o processo de escravidão", explica Júlio César, da direção do Instituto Luiz Gama, ressaltando o trabalho do advogado que lutou contra a escravidão, interpretando as própria legislação vigente na época. “Ele identificou, através dessa lei, quem eram os os negros e negras escravizadas que adentraram ao Brasil após a promulgação dessa lei e usava como argumento jurídico esse mecanismo”.

Em 1º de dezembro 1880, Luiz Gama escreveu a seguinte mensagem no jornal gazeta do povo:

Em nós, até a cor é um defeito, um vício imperdoável de origem, o estigma de um crime; e vão ao ponto de esquecer que esta cor é a origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que esta cor convencional da escravidão, como supõem os especuladores, à semelhança da terra, ao través da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade.


Retrato de Luiz Gama com data estimada de 1880 / Autor desconhecido

O advogado também fazia da imprensa um espaço de disputa de ideias contra a elite escravocrata e fazia dos textos uma grande ferramenta de defesa do povo escravizado. 

Gama foi considerado um homem de imprensa. Nos textos, confrontava a estrutura dominante do país. 

O reconhecimento público chegou tardiamente. Ele morreu sem ver a abolição, por qual tanto lutou, ser concluída. Apenas em 2015, um século depois, foi reconhecido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) como advogado. Em 2021, a Universidade de São Paulo (USP), que o rejeitou como estudante de direito, lhe concedeu título honoris causa. 

“Eu acho que o mais importante é estudar Luiz Gama, entender Luiz Gama, trazer a sua importância para dentro da sala de aula, seja no ensino superior, seja no ensino médio. É desde a base entender quem é esta pessoa e por que ele é tão importante”, ressalta Costa. 

Edição: Daniel Lamir