Minas Gerais

GOLPISMO

Artigo | Nem patriotas, nem religiosos

“Em toda a casa em que entrardes, dizei primeiro: Paz a esta casa!”. A violência é radicalmente oposta ao cristianismo

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
"Partidos políticos são os guardiões da democracia. Cabe a eles excluir e rejeitar a filiação de radicais extremistas" - Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Pesadelo! Uma nação inteira agredida ao vivo. Cenas estarrecedoras, indignantes. Tristeza profunda. Uma tentativa de golpe de Estado sem precedentes na história brasileira. Vidas colocadas em risco. Roubar, matar e destruir.

“Quando o fascismo vier, virá enrolado em uma bandeira e carregando uma cruz” (Sinclair Lewis, Huey Long). Movidos pelo ódio, uma horda de histéricos criminosos, vestidos com a bandeira do Brasil, depredou as Casas dos três Poderes: Executivo, Legislativo e o Judiciário. Nem patriotas, nem religiosos.

A vergonha imposta por setores da extrema direita bolsonarista aos brasileiros ocupou as manchetes dos principais jornais do mundo. Líderes condenaram veementemente a destruição e reforçaram seu apoio ao presidente Lula da Silva.

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No dia seguinte (9), Papa Francisco, no encontro com o corpo diplomático do Vaticano disse que o ataque terrorista ocorrido no Brasil faz parte de uma tendência “mais ampla do enfraquecimento da democracia e do aumento da polarização política e social. Penso nos vários países da América onde as crises políticas estão carregadas de tensões e formas de violência que exacerbam os conflitos sociais. Penso em particular nos recentes acontecimentos no Peru e, nestas últimas horas, no Brasil”.

A farsa acabou

Nem Família, nem Deus, nem Pátria. O que se viu foi destruição, caos, roubo. Depois de dar inúmeras provas, os fatos revelaram ao mundo a verdadeira natureza do bolsonarismo. Uma sucessão de crimes: quando Bolsonaro homenageou um torturador, deveria ter sido preso. Derrotado nas eleições, começaram a pedir intervenção militar. E, por fim, a sequência de ações terroristas: tentativa de invasão da Polícia Federal (12 de dezembro), tentativa de explosão de uma bomba (24 de dezembro).

Depois do dia 8 de janeiro ninguém mais pode duvidar. Destruição é o projeto. Móveis, objetos quebrados, roubo, fezes e urina, obras de arte danificadas... as cinco facadas no quadro de Di Cavalcante é expressão do ódio à cultura. Vidraças estraçalhadas no Palácio do Planalto. Fogueira ateada no Salão Verde do Congresso. Plenário do STF totalmente destruído. Jornalistas, policiais, trabalhadores agredidos. Pessoas poderiam ter morrido!

É urgente impedir que o terrorismo político se torne o novo normal no Brasil

A barbárie visava atingir o coração do Estado Brasileiro. Foi uma agressão ao Estado e quem deveria defendê-lo se omitiu. A história e a cultura também foram atacadas. A Praça dos Três Poderes, maior símbolo do governo brasileiro, é reconhecida Patrimônio cultural da Humanidade pela UNESCO. A ONU ajudará a recuperar o patrimônio artístico, histórico, cultural e arquitetônico destruído pelos vândalos.

Contudo, a frágil e jovem democracia brasileira resistiu. Ainda resta muita coisa por fazer. Qualquer tentativa de implosão do Estado de direito deve ser enfrentada com rapidez. Não pode ficar por isso mesmo. A Constituição do Brasil tem como um dos seus princípios o repúdio ao terrorismo. Anistia não!

A defesa da Democracia deve ser permanente

Partidos políticos são os guardiões da democracia. Cabe a eles excluir e rejeitar a filiação de radicais extremistas. Figuras autoritárias fogem do controle. Cedo ou tarde, cumprem o prometido. A solidez da democracia depende do cumprimento da Constituição e às instituições do Estado. Quem não respeita, perde o direito de disputar o poder e governar.

Contra a barbárie, é momento de união. Felizmente, o conjunto das instituições do Estado e a sociedade civil reagiram em uníssono. A praga do golpismo bolsonarista foi temporariamente controlada, mas não arrancada. Com o fascismo não há possibilidade de conciliação. É urgente impedir que o terrorismo político se torne o novo normal no Brasil.

Nenhum povo luta pelo que ama destruindo a si próprio

Os responsáveis precisam ser punidos, recompor as instituições e as forças armadas reconduzidas aos quartéis. A resposta precisa ser real se queremos paz.

Atos criminosos são incompatíveis com a fé cristã. “Em toda a casa em que entrardes, dizei primeiro: Paz a esta casa!” (Lc 10,5). A violência é radicalmente oposta ao cristianismo. O cristão é promotor da fraternidade.

“Os atos violentos colocados diante do projeto de Deus e da força do Evangelho de Jesus Cristo, expressam um pecado diabólico das forças do mal que buscam incansavelmente neutralizar a democracia e a soberania do povo. Um vínculo obsessivo com o mito, conduziu um grande batalhão de terroristas a depredarem o patrimônio público, arrastando objetos culturais, no desejo primitivo e insaciável de serem únicos, mostrando a veemência e a indiferença cruel dos seus atos antidemocráticos, fundamentados na ignorância constitucional, despedido do saber e da pertença com nuances de um pseudocristianismo. Nenhum povo luta pelo que ama destruindo a si próprio” (Nota oficial da União das Superiores Gerais das congregações brasileiras).

Democracia dá trabalho. Ninguém pode ficar de braços cruzados. O extremismo criminoso deve ser enfrentado diuturnamente. Não há tempo sequer para um cochilo de uma tarde de domingo. Podemos ser assombrados por outro pesadelo. Vigilância!

Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta (FAJE). Autor de “Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja” e “Cristianismo e economia”.

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida