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Crônica | Paspatur

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"Falou sobre o carro Santana do seu avô, que todos os dias de manhã, levava-o para a faculdade" - Foto: David Wright / Commons Wikimedia
Era o mais bonito, bondoso e gente boa

Era um domingo em família. Haveria uma festa para comemorar o êxito do neto mais novo no vestibular de Medicina da UFMG. Não era todo dia que um moleque da quebrada ousava tal façanha.

Começaram a chegar um por um na casa do tio mais ranzinza. Ninguém nunca o vira sorrindo. Sempre reclamava que ganhava pouco. Pão-duro pela própria natureza.

Dali a pouco, chegou o mais bem-sucedido da família. Era também o mais invejado por todos. A natureza foi legal com ele. Era o mais bonito, bondoso e gente boa.

A mulher do tio ranzinza sempre espalhava fofoca contra ele. Era seu hobby predileto. Mas, por ironia do destino, o sustento da família e a sua boa-vida vinham daquele de quem ela tanto falava mal. Muitos diziam que seu desejo era ter casado com ele, mas que lhe acabou sobrando foi o pão-duro, feio e ranzinza. Além de tudo, seu marido falava cuspindo nas pessoas. Ela morria de vergonha.

A festa ia se desenrolando. Chegou a hora da foto. Ninguém queria ficar de fora. Chamaram o vizinho para ajudar. Ele veio puto e resmungando porque não tinha sido convidado para a grande festa. O cheiro do churrasco era enlouquecedor dentro da sua casa. Ele tirou a foto de qualquer jeito, fez um pratão caprichado só com picanha para levar pra casa. Na saída do portão, escorregou e a comida foi pro brejo. Praguejou contra todos da festa. E xingou o vizinho de tio Patinhas.

A festa continuava e as fofocas também. Todos diziam que o genro mais velho tinha um caso com a secretária. Uma parenta mais maldosa falou que a secretária era trans, horrorosa e morava onde Judas perdeu as botas.

Chegou a hora dos agradecimentos e do discurso do homenageado daquele dia.

Ele fez um discurso belíssimo sobre a superação da desigualdade. Falou sobre o combate ao racismo. E sobre o carro Santana do seu avô, que todos os dias de manhã, levava-o para a faculdade.

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O primo, que tinha uma inveja contumaz dele, ironizou o discurso falando que era só retórica de gente que nunca trabalhou na vida. Mas lhe deu um abraço de amigo da onça e fez uma figa por trás das suas costas. A mãe do primo invejoso, segurando uma Bíblia e vestida com a camisa da seleção, também o criticou falando que ele queria ser o Robin Hood dos pobres. Coitado. Ele só tinha um tênis na vida.

O mais feliz da festa era seu avô. Despediu-se de todo mundo com um sorrisão no rosto. Ele deu partida no velho Santana, que enfumaçou a rua, ligou o toca-fitas do carro e foi ouvindo Bezerra da Silva, Vivaldi e Paralamas.

Rubinho Giaquinto é covereador pela Coletiva em Belo Horizonte.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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Edição: Elis Almeida