Minas Gerais

CABO DE FORÇA

Estudos feitos pelas assessorias técnicas independentes foram diferencial para atingidos

As três ATIs são responsáveis por auxiliar tecnicamente a população, garantindo a “participação informada”

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Aedas realiza estudo sobre condições da água, solo, ar, poeira e potenciais riscos à saúde humana em Brumadinho - Foto: Aedas

Nesses quatro anos após o rompimento da barragem da Vale, em Córrego do Feijão, Brumadinho (MG), um elemento parece ter feito a diferença na mobilização e informação dos atingidos: o trabalho das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs).

O formato é algo novo e foi desenvolvido há sete anos, quando a barragem da Samarco se rompeu em Mariana (MG), e as comunidades só tinham acesso a informações repassadas pelas mineradoras Vale e BHP Billiton, donas da Samarco. Isso porque o Estado não é suficiente para atender à demanda nessas situações, por exemplo, não há estrutura pública para analisar contaminantes da população e da água.

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No Rio Doce, nasceu a luta pela assessoria técnica independente, por meio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). E no início de 2020, um ano após o crime, os atingidos da Bacia do Rio Paraopeba e da represa de Três Marias conquistaram na Justiça que a Vale fosse obrigada a contratar assessorias para as cinco regiões atingidas.


Nacab realiza pesqisa sobre a qualidade da água na Região 3 / Foto: Equipe ATI Paraopeba Nacab

ATIs alertam para direitos

Tatiana Diniz, atingida moradora de Cachoeirinha, cidade de Esmeraldas (MG), é atendida pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab). “A assessoria tem feito vários estudos sobre a água, o solo e os animais. E todos eles têm nos mostrado o alto índice de contaminação dos nossos territórios”, aponta.

“O Nacab tem nos ajudado a mostrar às pessoas o quanto fomos atingidos pelo rompimento e o quanto poderemos ser atingidos no futuro. Várias modificações estão acontecendo a todo momento. A cada cheia do rio, tem uma nova transformação, e a ATI tem nos mostrado isso”, explica.

As ATIs ajudam a equilibrar a balança da ‘paridade de armas’

Já na comunidade de Aranha, em Brumadinho, a atingida Schirlene Gerdiken é atendida pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) e concorda que os trabalhos de campo feitos pelas ATIs foram essenciais, mas é necessário que as instituições de Justiça acolham os resultados e deem solução para os apontamentos.

“As ATIs poderiam ser mais desamarradas, poderiam ter poder de decisão junto com os atingidos. A sensação que a gente tem é que depois de serem feitos os levantamentos, só ficam nos ofícios”, lamenta. “Você não vê reparação”, acrescenta.

Cabo de força

Segundo decisão da Justiça, as três assessorias que atuam na Bacia do Paraopeba e na represa de Três Marias (Aedas, Nacab e Instituto Guaicuy) são responsáveis por auxiliar tecnicamente a população, garantindo uma “participação informada” dos atingidos no processo judicial contra a Vale.

Além disso, de maneira inédita, foram nomeados também como assistentes técnicos da parte autora, representantes da Defensoria Pública de Minas Gerais e dos Ministérios Públicos estadual e federal. Com isso, puderam executar um grande número de pesquisas em campo, produzindo provas contrárias à Vale e elaborando o Mapeamento de Danos. Nesse documento, constam mais de 60 possibilidades de indenização.


Insitituto Guaicuy realiza pesquisa em saúde relacionada ao rompimento da barragem da Vale em Pompéu, Curvelo e região do Lago de Três Marias / Foto: Tomas Amaral / Instituto Guaicuy

“As ATIs ajudam a equilibrar a balança da ‘paridade de armas’, constituindo força real (técnica, jurídica, política, institucional e de comunicação) na luta contra a Vale, não só judicial”, pondera Alexandre Chumbinho, gerente jurídico do Nacab. “Não fossem as ATIs, o território teria sido dominado pela Vale e muito provavelmente as pessoas atingidas teriam seus direitos mais prejudicados”.

Ainda há um debate sobre quais poderiam ser as funções da ATI, afora o assessoramento técnico.

“Se dependesse da Vale, provavelmente nossos técnicos de campo só fariam atendimento psicossocial para mitigar a dor das pessoas atingidas e não organizariam as comunidades para lutar pelos seus direitos violados, nem tampouco produziriam prova para ser utilizada pelas Instituições de Justiça no processo contra a mineradora”, argumenta.

Sempre aquela pedra

Enquanto as assessorias e atingidos pretendem caminhar para o aperfeiçoamento das ATIs, o governo de Minas pode ir no sentido contrário. No fim de 2022, o governo Zema teria criado um grupo de trabalho para regulamentar a Lei 23.795/21, que institui a Política Estadual dos Atingidos por Barragens. O direito à ATI é um dos dispositivos dessa lei.

“Aparentemente, vão incidir no direito de milhares, talvez milhões de pessoas, (pois temos atualmente diversas ATIs atuando no território mineiro) sem sequer ouvir a população impactada, em flagrante descumprimento da própria lei sancionada pelo governador Zema”, alertou o gerente jurídico.

Edição: Larissa Costa