Minas Gerais

FORÇAS ARMADAS

Artigo | O presidente e os militares

É preciso discutir o papel constitucional das Forças Armadas e o ensino nas Academias militares, dentre outros temas

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
General Tomás Miguel Ribeiro Paiva assume o comando do Exército - Foto: Ricardo Stuckert/ Palácio do Planalto

No decorrer dos dois mandatos anteriores do atual presidente da República concretizaram alguns notórios eventos relacionados ao segmento militar. O legado autoritário recebido da ditadura civil-militar favoreceu as Forças Armadas continuarem agindo de forma autônoma, mesmo estando subordinadas a um ministro civil. Isto significa que por várias vezes seus integrantes passaram por cima da autoridade ministerial e escoriaram a alçada presidencial, evidenciando o desrespeito à cadeia de comando.   

Lula indicou um diplomata para o cargo de Ministro da Defesa, que optou por certas condutas que não agradaram os fardados. Criticou o desempenho na busca de corpos de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, tentou modificar o currículo e o arranjo do comando da escola Superior de Guerra e declarou concordância com a negação de reajuste salarial advindo da área econômica.

Quartéis de todo país acolheram e protegeram as carpideiras de guarita

No decorrer do tempo o então Comandante do Exército exibiu comportamentos inadequados. Fez uma indevida substituição na Assessoria Parlamentar, usou farda inapropriada em solenidades e não encaminhou a lista tríplice de generais para a missão no Haiti. Mais grave foi a nota emitida em relação à divulgação das fotos do jornalista Vladimir Herzog a qual apontava a intenção de reavivar revanchismos e que não agradou ao presidente.

Além dessas ocorrências eventos favoráveis aos militares apareceram. Foi estabelecido o programa FX-2 destinado à renovação da frota de aviões da Força Aérea através de caças suecos; na Marinha definiu-se o PROSUB, um ousado projeto de submarinos, com a inclusão de um movido a energia nuclear em parceria com a França; e no Exército a fabricação com tecnologia nacional do blindado Guarani.

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Também foram organizados os sistemas de comando e controle e de guerra cibernética, instalados o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras e o Sistema de Monitoramento da Amazônia Azul. Além disso os fardados foram contemplados com uma política de aumento real do soldo, de inclusão de adicionais variáveis para os diversos postos e do acesso a graduações superiores aos Taifeiros da Aeronáutica.

Após ter assumido o cargo de presidente do país uma de suas principais e mais delicada tarefa foi indicar o Ministro da Defesa e os comandantes de cada uma das Forças Armadas. Sem dúvida uma atividade muito complexa e sensível. Afinal, apesar do que Lula fez de benéfico para as instituições bélicas, sofreu e continua sofrendo muita rejeição por parte dos servidores de uniforme.

Influência de Bolsonaro e os atos de 8 de janeiro

Junte-se a isto a forte influência na caserna de um dos mais ineptos soldados da história do Exército e dos mais medíocres parlamentares, posteriormente, confirmado como o pior presidente da República.  Recorde-se que ele foi lançado candidato por conta de um plano digno de constar do livro de Norman Dixon A Psicologia da Incompetência dos Militares, arquitetado por oficiais de alta patente, voltado para a conquista do poder pela via democrática, mas se necessário aceitava alterar o regime político para instaurar um sistema não liberal de governo.

Vale destacar o papel do partido verde-oliva que exerceu a liderança da campanha de Bolsonaro no interior dos quartéis. E embora o bolsonarismo tenha conquistado a grande maioria dos fardados somente uma ínfima minoria mostrou simpatia para com uma aventura golpista que previsivelmente não contou com a adesão institucional.


Foto: Exército Brasileiro

Mesmo após ter vencido a eleição, quartéis espalhados pelo país acolheram e protegeram as carpideiras de guarita ou os famigerados patriotas, que tentaram por diversos meios convencer os servidores de uniforme a impedirem o ato da posse. Saliente-se que no dia da diplomação aconteceram atos de vandalismo em Brasília tal como a queima de carros e ônibus por parte dos patriotas, um apelido escancaradamente ofensivo ao raro sentimento de devoção ao país e de solidariedade aos conterrâneos.  

Uma semana depois tal choldra aversiva depredou os prédios dos três poderes com a benevolência de funcionários, policiais e militares. Depois desta criminosa ação ocorreu o retorno ao abrigo seguro em frente ao quartel, cujo comandante impediu a prisão imediata dos vândalos antipatriotas.

Por sua vez o comandante do Exército se recusou a retirar a função de comando do ajudante de ordens de Bolsonaro demandada pelo Ministro da Defesa bem como apresentou queixas em reunião com os demais integrantes do Alto-Comando. Foi substituído por um general legalista que teve a iniciativa, apesar de tardia, de expor em público um exemplar discurso relativo à inquestionável subordinação dos militares ao regime democrático. 

Existem muitos militares intelectuais compromissados com a ciência

Estas indesejáveis ocorrências recentes envolvendo servidores fardados se somam a muitas outras que vêm se manifestando desde fins do século dezenove e agregam o longevo exercício do apelidado poder moderador e a assunção do governo do país por meio de um golpe que durou duas décadas.

Os vários presidentes que se sucederam a partir da redemocratização do país, afora a criação do Ministério da Defesa com um civil à frente, nada fizeram para aperfeiçoar a conduta de subordinação dos militares à democracia.

Expectativas

O novo Ministro da Defesa além de ter o reconhecimento da caserna, fulgura possuir as qualidades e os requisitos necessários ao exercício do cargo. Fardados mais antigos remanescentes do período ditatorial ou que conviveram com os subsistentes dessa época estão se encaminhando para a reserva e novas gerações os estão substituindo.

Existem muitos militares intelectuais compromissados com a ciência, com a produção do conhecimento reputado verdadeiro, com o método científico e com o debate entre pesquisadores qualificados.

Devem ser colocados na berlinda o papel constitucional das Forças Armadas

Outrossim, as instituições nacionais estão defendendo medidas para fortalecer o regime democrático e governantes de nações estrangeiras continuam se manifestando a favor dele. Assim sendo, parece claro que estão assentadas as condições necessárias para a apresentação e o exame de propostas destinadas a aprimorar as relações dos servidores fardados com a democracia.

Consequentemente tende ser bem apropriado instaurar encontros periódicos entre pesquisadores das universidades e dos estabelecimentos castrenses, dedicados ao estudo de assuntos relativos às Forças Armadas, com vistas à apresentação de medidas cabíveis.

Para tanto devem ser colocados na berlinda o papel constitucional das Forças Armadas, os civis na chefia do Ministério da Defesa, o ensino nas Academias, a supervisão parlamentar dos militares, os tribunais castrenses de justiça, o direito de manifestação política do cidadão fardado, a confirmação pelo Senado do posto de general e outros temas pertinentes.

A expectativa é de que o hábil atual presidente já esteja devidamente convencido a respeito da relevância desses eventos e que se encontra tomando as providências necessárias para que brevemente eles venham a ser concretizados.

Antônio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor de Democracia e Ensino Militar (Cortez) e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (Pontes)    

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida