Minas Gerais

Coluna

Artigo | Frei Chico: o homem certo no lugar certo

Imagem de perfil do Colunistaesd
"Frei Chico tinha pela frente, os cânones adotados pela religião oficial romanizada, que ainda não havia assimilado as inovações do Concílio Vaticano II" - Foto: Reprodução / TV Cultura
Franciscano enalteceu e eternizou a cultura do Vale do Jequitinhonha

Francisco von der Poel (Frei Chico) nasceu na Holanda em 1940 e faleceu em Belo Horizonte em janeiro de 2003. Quando ele veio para o Brasil (1967), com 27 anos de idade, o mundo ainda sentia os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Se vivia um esforço universal pela paz, pela democracia, pelos direitos humanos.

Entre todas as religiões do mundo, a Católica, à qual Frei Chico servia, era a mais bem preparada para tal meta. Basta lembrar a Encíclica Rerum novarum, do papa Leão XIII, de 1891, e encíclicas de seus sucessores, que condenavam a escravidão e almejavam a justiça social para todos. Foi esse preparo que resultou na realização do Concílio Vaticano II, que refletiu profundamente sobre o papel da Instituição, dos clérigos, dos leigos e opinou pela interação do catolicismo com outras religiões.

Frei Chico era o homem certo para o lugar e o momento certos. O país sofria a imposição do regime ditatorial que era contra a Igreja na opção pelos pobres e defesa de trabalhadores. Por influência do Concílio Vaticano II (1962-1965) e da Conferência Episcopal de Puebla, foram fundadas as comunidades eclesiais de base, de onde surgiu o Partido dos Trabalhadores (PT).

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Frei Chico tinha pela frente, os cânones adotados pela religião oficial romanizada, que ainda não havia assimilado as inovações do Concílio Vaticano II. Frei Chico compreendeu que o sacerdote é que tinha de ter linguagem adaptada aos fiéis. A religiosidade popular não era aceita e o laicato tinha pouca participação nas celebrações oficiais. Disse ele certa vez: “um padre vai celebrar missa em uma comunidade rural do Vale do Jequitinhonha e leva folheto impresso em São Paulo. Lê o referido impresso do início ao fim e diz que celebrou, mas não há significado nessa celebração, porque o Deus que o povo conhece só é encontrado em sua vida”.

Ele teve o mérito de compreender que aquela situação era semelhante à do tempo do papa Gregório Magno em que as artes, especialmente a música e literatura oral, poderiam facilitar a compreensão das práticas religiosas, valorizar os ensinamentos cristãos. Além disso, Frei Chico teve o propósito de nunca substituir o hábito original da ordem por vestes comuns. Para ele, o hábito confere confiança, respeito e admiração do público.


Em 2013, frei Chico publicou a obra Dicionário da Religiosidade Popular, fruto de 40 anos de pesquisa, oito deles dedicados ao Vale do Jequitinhonha / Foto: Acervo Frades Franciscanos

Para Frei Chico a cultura do povo do Vale do Jequitinhonha era muito rica em conhecimento de vida e de religião, à qual tudo estava relacionado. Passou a ver importância, beleza e significado em tudo que via e ouvia: o canto da cozinheira Filó, na casa paroquial; as canções e as cerâmicas de Lira Marques; coleção de benditos e orações de fiéis que foi colhendo sistematicamente. Tudo estava presente na cultura popular, transmitido pelas tradições. Por meio da cultura, o povo fala: o mestre de folia de reis, a rezadeira, o capitão de congados, a mãe de santo, cordelistas, contadores de história, recitações e provérbios e orações.

Frei Chico chega a esses saberes populares com sentimento de humildade, dizendo que desejava com essas pessoas aprender. E ia gravando conversas, músicas, contos. Além disso, frequentava festas religiosas e outros eventos na região. A Festa do Rosário em Minas Novas, Boi de Janeiro de Rubim, Festival de Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha (FESTIVALE), etc. Realizando estudos sobre todas as comunidades do Vale do Jequitinhonha.

Desses estudos resultam as publicações de alguns livros: “Os homens da dança: religiosidade popular e catequese”, Paulinas, 1986; “Bibliografia do Jequitinhonha e outras coisas de lá”, Imprensa Oficial MG, 1986; “O Rosário dos homens pretos: Minas Novas”, 1981, sobre o centenário da irmandade do Rosário daquela cidade (1879-1979); “Com Deus me deito, com Deus me levando”, Paulus, 2018.

Além disso, depois de quarenta anos preparando, publicou o livro Dicionário de Religiosidade Popular.

Antônio de Paiva Moura é professor de História aposentado da UEMG e UNI-BH. Mestre em História pela PUC-RS.

--------------

Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

:: Leia outros artigos de Antonio de Paiva Moura em sua coluna ::

Edição: Elis Almeida