Minas Gerais

Coluna

Fim da circulação de dinheiro nos ônibus: avanço ou exclusão?

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O fim do dinheiro dificulta a vida de algumas pessoas e a tal "modernização" não pode ser feita à revelia - Adão de Souza
Melhor seria examinar a fundo como extinguir o pagamento da tarifa no sistema de transporte

Os vereadores e vereadoras de Belo Horizonte estão votando propostas sobre mobilidade urbana. São pelo menos sete projetos de lei (PL) que alteram, de alguma maneira, o transporte coletivo na cidade. Em nossa última coluna, falamos de passe livre nas eleições. Nesta, falaremos sobre o PL 446/2022, que propõe a reformulação do sistema de bilhetagem eletrônica para que não haja mais pagamento de passagem de ônibus a bordo com dinheiro em espécie. A proposta é polêmica.

Por um lado, está o argumento de que retirar notas e moedas ajudaria a modernização do sistema, por tornar o embarque mais rápido. Entretanto, impedir as pessoas de utilizarem dinheiro no transporte público pode ser apenas mais uma forma de excluir o usuário.

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O que vai acontecer com aquela pessoa que perdeu o cartão? Que emprestou para o filho que precisava pegar um ônibus no dia seguinte para uma entrevista de emprego? Que esqueceu o cartão em casa e conseguiu juntar uns trocados que estavam no fundo da bolsa? Ou com a pessoa que não é de Belo Horizonte e acabou de chegar na cidade? Ela será impedida de entrar no busão?

Na defesa da proposta, há a promessa de que o cartão para acessar o ônibus seria comercializado em toda esquina. Mesmo que isso possa acontecer, nos perguntamos: e os horários noturnos e finais de semana? Haverá postos 24 horas?

A facilidade de “acesso” que o dinheiro em espécie dá não parece ser tão fácil assim de ser substituída.

Controle dos dados de bilhetagem

Por outro lado, o projeto reconhece que os dados do sistema de bilhetagem não pertencem às empresas de ônibus e sim ao município, que deve ter acesso a todas as informações em tempo real. Essa é uma correção importante no rumo que as coisas tomaram desde que o contrato com as empresas de ônibus foi firmado, em 2008.

Além disso, o projeto abre a possibilidade para que a operação da bilhetagem eletrônica não fique na mão das empresas de ônibus, como ocorre hoje. Retirar poder econômico e de barganha dos empresários é um avanço, em especial quando é urgente retomar o controle sobre os recursos financeiros que compõem a remuneração do sistema.

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Existe ainda o argumento de que a proposta melhora a vida dos motoristas, que não vão precisar mais contar o troco dos passageiros. Vale lembrar (sim, mais uma vez e sempre que necessário) que isso só acontece porque os ônibus estão rodando sem cobradores desde 2019 de forma ilegal – e com a conivência da prefeitura. Pela lei municipal 10.526, de 3 de setembro de 2012, os ônibus precisam ter agentes de bordo, pois são profissionais que não realizam apenas tarefas financeiras, mas auxiliam o motorista e usuários cadeirantes, idosos, grávidas ou pessoas com dificuldades de locomoção.

De toda forma, o projeto não pode ser aprovado dessa forma sem os estudos necessários, sem participação popular e sem um plano concreto de ação da prefeitura para a eventual implantação da lei. O fim do dinheiro dificulta a vida de algumas pessoas e a tal "modernização" não pode ser feita à revelia. Modernizar é incluir, e incluir é aumentar as opções, não diminuir.

Melhor ainda seria examinar a fundo como extinguir o pagamento da tarifa no sistema de transporte. Isso mesmo, não cobrar passagem. A cobrança continua mantendo a desigualdade no acesso a um serviço que deveria ser gratuito e de qualidade.

 

Juliana Afonso é jornalista, e André Veloso é economista. São integrantes do movimento Tarifa Zero BH

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

 

Edição: Larissa Costa