Minas Gerais

Coluna

Mobilidade, cuidado e a falta de prioridade nas políticas da cidade para as mulheres

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A mobilidade urbana tem um aspecto importante, que fica mais evidente quando pensamos sobre os deslocamentos das mulheres - Carol Azevedo
Neste 8 de março, reafirmamos a luta para que sejamos livres em nossos deslocamentos pelas cidades

Maria Eduarda acorda cedo, talvez ela nem tenha dormido direito, devido aos diversos despertares de seu filho de madrugada. Mas é hora de se levantar e levar o pequeno, de dez meses, para o berçário. Ela vai empurrando o carrinho com o bebê pelos passeios esburacados do bairro, desviando do lixo que pernoitou nos canteiros e carregando o carrinho sobre os meios-fios das travessias. É uma das primeiras na fila da creche. Deixa o filho e segue para o ponto do ônibus, para conseguir chegar a tempo de pegar o serviço.

Maria Rita, por sua vez, trabalha de forma remota desde a pandemia. É ela que, nos intervalos da jornada de trabalho flexível, sai para fazer o supermercado, o sacolão e as compras da farmácia. No meio do caminho, sempre lembra de mais um item que está faltando e ajusta sua rota, a pé ou de carro popular, para suprir as necessidades da casa. O carro fica com ela, se o marido não for usar. Ela só tirou a carteira depois dele – e com sua autorização.

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Professora, Maria Cecília tem que conciliar o emprego em duas escolas, transitando de um lado para o outro da cidade. Ela também cuida de seus pais idosos, garantindo visitas noturnas, mantimentos e pernoites para acompanhá-los. Ela alterna entre o ônibus e o metrô, a depender do seu destino, sempre de olho no relógio. Descansa o corpo um pouco, se conseguir sentar-se durante o trajeto. Ainda assim, tem medo do assédio sexual, especialmente à noite.

Histórias entrelaçadas

Essas e outras Marias representam os deslocamentos típicos das mulheres pelas cidades. Somos maioria no transporte público e andando a pé. As que andam de carro, em geral o fazem na carona ou com menos prioridade que os homens da família.

Só pelo tipo de transporte, vemos que as mulheres ficam restritas aos modos menos priorizados pela política pública. E várias vezes, também alcançam distâncias menores nos seus deslocamentos na cidade, o que também é limitante quanto às possibilidades de autorrealização.

Mas não se trata apenas do modo de transporte. A mobilidade urbana tem um aspecto importante, que fica mais evidente quando pensamos sobre os deslocamentos das mulheres. A mobilidade urbana diz respeito tanto aos elementos produtivos, quanto reprodutivos da sociedade.

De um lado, a produção. A infraestrutura onde os trajetos ocorrem são produzidas fisicamente. Ela também permite que as diversas atividades produtivas da cidade possam ocorrer, afinal os trabalhadores precisam chegar a seu local de trabalho.

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De outro, a reprodução. Esse aspecto é muito invisibilizado, por ser prioritariamente responsabilidade das mulheres (e olha que nós também nos responsabilizamos pela produção!). Nela, as atividades de cuidado são centrais: tanto para reprodução física da espécie, os filhos, quanto para nossa manutenção, com atividades de alimentação, limpeza e cuidado de doentes e idosos.

Mobilidade do cuidado

Sendo socialmente responsáveis por essas tarefas, a mobilidade das mulheres também é uma mobilidade do cuidado. Por ocorrer a pé, pela vizinhança, na informalidade ou nas brechas do tempo do trabalho chamado produtivo, esse deslocamento não é priorizado pela política pública.

Os deslocamentos são longos e insalubres, de espera nos pontos de ônibus e amontoamento dentro deles. Calçadas precárias ou inexistentes, falta de arborização, travessias por passarelas e alta velocidade das vias só mostram que o gestor público não percebe que as ruas estão cheias de gente, gente que cuida de outras pessoas.

Tudo isso contribui para que estejamos exaustas. Ainda assim, seguimos os caminhos, sendo força motriz da sociedade. Neste 8 de março, mais um dia internacional da luta pelos direitos das mulheres, reafirmamos a luta coletiva e a organização política para que sejamos verdadeiramente livres em nossos deslocamentos pelas cidades e nos diversos aspectos de nossa existência.

 

Letícia Birchal Domingues é professora e integrante do Tarifa Zero BH

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
 

Edição: Larissa Costa