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É preciso recontar a história do Brasil

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Foto de Luiz Gama - Foto: Domínio público
Por que o Dia do Livro não é, por exemplo, 21 de junho, data em que no ano de 1830 nasceu Luiz Gama?

“A história é escrita pelos vencedores”. Essa máxima, que por anos e anos se faz verdade na historiografia brasileira, precisa ser desmanchada no ar. Os considerados vencidos precisam fazer valer a sua voz em todos os espaços. E o lugar de contadores da história brasileira, passada e atual, é estratégico para colocarmos a verdade em seu devido lugar.

E nesse particular, a professora doutora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Bárbara Carine cumpre um papel fundamental na disputa cotidiana de visões da realidade de ontem e de hoje. Bárbara – que nome fantástico para enfrentarmos as invencionices travestidas de história que escutamos todos os dias – é uma mulher preta, escritora, palestrante, idealizadora da Escola Maria Felipa e está no Instagram com a conta @uma_intelectual_diferentona. Vale a pena segui-la.

Como intelectual, assim como tantos pretos e pretas, ela busca cotidianamente apresentar à sociedade brasileira a nossa visão sobre a história. Colocando devidamente “os pingos nos is”.

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Em um dos seus últimos vídeos nas redes sociais, ela chama a atenção para a comemoração do Dia do Livro em 18 de abril. Símbolo importante de ser reverenciado diariamente, não resta dúvida. Contudo, ela faz um alerta. Essa data foi escolhida pelos “vencedores” por ser o dia em que nasceu Monteiro Lobato.

“Não faz sentido eu celebrar na minha escola o dia 18 de abril como Dia do Livro, exaltando a figura de um sujeito que foi um dos maiores eugenistas da história deste país, um dos maiores racistas e propagadores da cultura racista na nossa sociedade”, destaca Bárbara no vídeo. Uma verdade que precisa ser posta sob os holofotes, combatida e enfrentada para ser desconstruída.

Por que o Dia do Livro não é, por exemplo, 21 de junho, data em que no ano de 1830 nasceu Luiz Gama?

Estado brasileiro é racista

Assim também é o processo que pôs fim ao regime escravocrata: além de não indenizar os negros explorados por tantos e tantos anos, as portas foram fechadas para seus futuros. E, também, aos seus descendentes. Deixou-nos à própria sorte para vivermos em uma sociedade absolutamente racista.

A mão de obra para a lavoura não foi substituída pela contratação assalariada de negros e negras, apesar de terem a experiência na lida. E a necessidade de povoamento de várias regiões do país também não considerou negros e negras no processo de cessão de terras e crédito para eles produzirem. Para as duas questões, o Estado racista brasileiro optou pela importação de mão de obra de colonos europeus. Pessoas que aqui chegaram, em alguns casos, recebendo terras e condições para se estabelecerem a partir de recursos do próprio governo brasileiro.

Dois exemplos, entre tantos existentes que encheríamos páginas e páginas, que confirmam a necessidade de revisitarmos a história do Brasil. A legislação que impõe a obrigatoriedade do ensino da história africana e afro-brasileira na grade curricular em toda a extensão do sistema educacional brasileiro, e que completou recentemente 20 anos de promulgação, é um avanço significativo. Todavia, insuficiente.

Sabemos que a cultura, compreendida estruturalmente como uma rede de associações, tem na escola um de seus vetores. Mas o sistema cultural é muito maior. É necessário que todos os lugares desse sistema recontem a história brasileira, de ontem e de hoje, para que resgatemos corretamente o papel de cada um e de cada uma na construção de nosso país e, principalmente, para que as dívidas socioculturais sejam pagas.

Assim, será possível construir um porvir, em que os racistas tenham menos espaço, e o racismo, o preconceito e a discriminação não sejam a regra, explícita ou dissimulada, como é hoje.

 

 

Andreia de Jesus (PT) é educadora popular, advogada, mãe solo e deputada estadual em Minas Gerais.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Larissa Costa