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Coluna

Levantar bandeira: em defesa do MST, da reforma agrária e da função social da terra

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CPi do MST ocorre em Brasília, na Câmara dos Deputados - Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados
Reforma agrária é uma previsão constitucional

Mais uma vez o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é alvo de perseguição política, por meio da instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional. A CPI é presidida pelo deputado federal Luciano Zucco (Republicanos – RS), que teve a campanha financiada por fazendeiro condenado por trabalho escravo.

Nesse conluio entre a bancada do boi e da bala, não poderia ser mais irônico que o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro bolsonarista, estivesse como relator da CPI. Sim, aquele investigado pela Polícia Federal por venda de madeira ilegal na Amazônia, aquele que “passou a boiada” fragilizando as políticas de proteção ambiental enquanto milhares de pessoas morriam de covid-19 sem vacina.

De acordo com a Constituição Federal, as Comissões Parlamentares de Inquérito possuem como requisitos um fato determinado a ser investigado e um tempo limitado de funcionamento, além de um terço das assinaturas dos parlamentares da Casa onde for instaurada.

Sem fato determinado

No caso da CPI do MST sequer há um fato determinado. Isso porque a comissão aponta como objeto a própria atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o “seu real propósito”. O requerimento para abertura da CPI utiliza elementos genéricos sobre uma notícia de uma ocupação no Sul da Bahia que não se concretizou e sequer há provas da vinculação ao movimento.

Na realidade, o que verificamos é a extrema direita utilizando recursos públicos, com poderes próprios de investigação do Poder Judiciário, para criminalizar a mobilização árdua e coletiva de inúmeros trabalhadores pela defesa da função social da terra e da reforma agrária.

Histórico de criminalização

A história do Brasil é repleta de exemplos de como a luta por direitos foi reprimida violentamente, seja no caso do Massacre de Eldorado dos Carajás no Pará em 1996, quando 21 sem terras foram assassinados e 79 feridos pela Polícia Militar com apoio da mineradora Vale.

Outro caso marcante foi a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2009 no Caso Escher, quando foi reconhecido a violação ao direito à associação política de assentados do MST que tiveram suas comunicações interceptadas ilegalmente.

Direito a terra é constitucional

Vale lembrar que o artigo 184 da Constituição prevê expressamente a destinação de terras à reforma agrária, quando o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, o que significa que quem especulou com a terra não sai no prejuízo.

Por sua vez, a função social da terra, que é o princípio norteador da propriedade privada no país, é verificada quando há, nos termos do artigo 186 da CF/88: “aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”

Assim, a reforma agrária é uma previsão constitucional que serve ao desenvolvimento e caminha ao lado da soberania nacional. Como forma de superar a história do Brasil colônia, servindo a interesses externos por séculos e se utilizando da escravidão contra os povos originários e pessoas negras para sustentar a exploração dessas terras.

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A realidade atual perpetua uma estrutura latifundiária, concentrando em 1% dos terras mais da metade da área rural no país, e muitas vezes terras são mal aproveitadas na sua totalidade, sendo que poderiam servir para agricultura familiar e garantir também soberania alimentar em nosso país. Por isso, a luta pela reforma agrária não poderia ser objeto de uma investigação parlamentar.

Cortina de fumaça

Ao lado disso, os dirigentes do MST colocam no debate um elemento certeiro: a CPI é instrumentalizada como um palanque para tirar o foco dos crimes cometidos pela extrema direita no dia 8 de janeiro, quando bolsonaristas invadiram Brasília e vandalizaram as sedes dos Três Poderes, causando mais um prejuízo imenso aos cofres públicos, além de danos irreparáveis ao patrimônio cultural.

Assim, a CPI do MST serve como uma cortina de fumaça para desviar a atenção midiática das reais ilegalidades cometidas, financiadas pela mesma bancada ruralista e da bala.

Nessa disputa que não é só ideológica, é fácil tomar um lado e levantar bandeira. Enquanto a extrema direita fazia chacota da pandemia e duvidava da eficácia da vacina, o MST realizava campanhas de solidariedade contra a fome, distribuindo cestas básicas e marmitas por todo o Brasil. Enquanto o desmatamento da Floresta Amazônia alcançou os maiores índices nos últimos anos, os e as trabalhadoras sem terra vêm dando utilidade a terras improdutivas e devolutas, produzindo alimentos saudáveis para o consumo da população brasileira.

É hora de colocar o boné do MST na cabeça e defender a função social da terra, a reforma agrária e a alimentação saudável.

A CPI do MST nada mais é do uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais e da luta pela terra, manchando a democracia brasileira, amparada constitucionalmente na liberdade de organização e de expressão.

 

 

Bruna Salles, advogada e pesquisadora na Universidade Federal de Minas Gerais

Artur Colito, advogado popular e integrante da secretaria de Movimentos Sociais da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

Ambos participam do Núcleo de Juristas Laudelina de Campos Melo do Movimento Brasil Popular

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

 

Edição: Elis Almeida