Minas Gerais

Coluna

A quebrada nunca me deixa na monotonia

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"Na mesma quebrada, você tem diversas situações." - Rovena Rosa/Agência Brasil
Aqui o bicho pega direto e reto. Você nunca sabe como será o dia

Tenho uma aluna de guitarra muito diferenciada. Tem um talento fora do comum. As aulas com ela são verdadeiras viagens por todos os temas e assuntos. Ela estuda pra caramba, e sempre no começo das aulas, quer conversar. Geralmente, são assuntos de uma certa profundidade política, cultural, econômica, filosófica...

Dessa vez, ela me veio com o Debret e minhas crônicas. Ela teve uma aula de história e conheceu Debret. Descobriu que ele pintava sobre o cotidiano brasileiro e fez uma analogia com minhas crônicas. Nunca tinha pensado nisso. Ela tá muito na frente. Realmente, é sensacional.   

Mas o dia só estava começando. A quebrada nunca me deixa na monotonia. Aqui o bicho pega direto e reto. Você nunca sabe como será o dia.

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Fui tomar um café com um amigo que está inaugurando uma lavanderia self-service aqui na quebrada. Ele largou um emprego de carteira assinada e agora é um empreendedor. O discurso dele é muito bem elaborado dentro dos marcos do capitalismo contemporâneo. Ele fala que esse serviço era um privilégio dos ricos, mas agora o povo dos corres pode ter também. Para terminar, fala que todos nós podemos ser empresários bem-sucedidos. Desejo muito sucesso a ele.

Ao sair da inauguração da lavanderia self-service, dou de cara com outro amigo e uma tarefa muito urgente. Um senhor que trabalha com material reciclável está doente e quer me ver. Entro no carro desse amigo e ele me leva até a casa do moço do material reciclável.

Ele tá de cama e precisando fazer uma operação de risco.  Ele tem três filhos pequenos. Sua esposa morreu na pandemia da covid-19. Ele me faz um pedido para não desamparar seus três filhos queridos enquanto ele estiver se recuperando da operação. Falo pra ele ficar tranquilo.

Saio dali pensando como o Brasil é um país muito diferente. Na mesma quebrada, você tem diversas situações. Um amigo quer Estado mínimo. O outro precisa de um Estado bem robusto.

Para terminar, um detalhe muito importante: minha aluna é negra. Meu amigo da lavanderia é negro. O moço do material reciclável é negro. Quem vos escreve também é negro. O amigo do carro é negro. Não sei se todos sabem que são negros. Isso é papo para outro texto ou crônica.

Os corres continuam. O espírito não é capitalista. A ética não é protestante. É acreditar nesse povo!

 

 

Rubinho Giaquinto é músico, escritor e militante do coletivo Solidariedade Cidadã.

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Edição: Elis Almeida