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Luta LGBTQIAPN+: sobre lugar de fala e lugar de escuta

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Junho é considerado o mês do orgulho LGBTQIA+ - Foto: Pixabay
Meu sonho é um estatuto da diversidade, construído coletivamente. Seria um exemplo para o Brasil

Qual é o lugar das pessoas que não integram o segmento LGBTQIAPN+ na luta pelo direito à autodeterminação e à diversidade de gênero e de orientação sexual? E o que essas pessoas podem fazer por essa causa tão necessária e urgente?

Muita gente, assim como eu, se questiona sobre esses assuntos, principalmente durante o mês de junho, que acaba de ser encerrado, após oportunas discussões realizadas na mídia e nos espaços políticos e institucionais. Posso dizer que essas questões têm norteado o trabalho que procuro desenvolver desde que ingressei na militância política e no exercício de cargos de representação política.

Partindo de uma teorização hoje em evidência, que é a do lugar de fala, posso dizer que é preciso dar vez a esse segmento da sociedade, por séculos silenciado e violentado, de modo que ele próprio componha sua narrativa. Esse lugar não deve ser usurpado por aqueles que, pela trajetória e pelo perfil, nele não se encontram. Isso é, para mim, um ponto importante.

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Aprendi, entretanto, que todo lugar de fala é um lugar de comunicação. Há que garantir a fala, o direito elementar de manifestação no debate público, que é sempre político, mas há também que entender que toda fala se dirige a alguém. Nessa perspectiva, entendo que o lugar de fala não tem sentido se não houver interlocução, isto é, se não houver aquele a quem falamos, como destinatário da nossa mensagem e da nossa narrativa.

Seguindo essa linha de raciocínio, pressuponho que todo lugar de fala corresponde a um lugar de escuta, de preferência de escuta, que deve ser qualificada pela empatia e pela abertura à cooperação. É nesse lugar que me coloco como parlamentar. Entendo que me cabe ouvir a voz dos que sofrem, no próprio corpo, as dificuldades impostas pela sociedade intolerante, intransigente e violenta.

Entendo, ainda, que me cabe trabalhar para que outros, como eu, se coloquem nesse lugar de escuta, que é a contraparte indispensável do lugar de fala. É dessa fala seguida de escuta que pode resultar, a meu ver, um novo padrão de sociabilidade, que vá se aperfeiçoando até eliminar a opressão e a desumanidade, que hoje vemos estruturalmente instalada em relação às LGBTQIAPN+.

Compromisso com a luta pelo fim da homotransfobia

A luta contra a homotransfobia que fantasia a intolerância criminosa com as vestes do conservadorismo pró-família, como se “família” fosse conceito abstrato e não historicamente determinado, está sendo travada por mim.

Tendo trocado a Câmara de Divinópolis pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, percebi que o combate mudou de tamanho, não de sentido. No parlamento estadual, como no municipal, o que se vê atualmente é a mesma investida contra a diversidade e contra o elementar direito constitucional à autodeterminação da personalidade e da intimidade.

E não começou agora. Já na legislatura passada, antes de minha chegada à Casa, a Assembleia se viu às voltas com o lastimável episódio em que proposição de lei do então deputado André Quintão contra a transfobia foi aprovada e, logo em seguida, por conta da histeria ultradireitista, combatida até pelos parlamentares que antes a haviam aprovado.

Na atual legislatura, esse mesmo setor, que confunde conservadorismo com opressão da alteridade em termos de gênero e orientação sexual, está desfraldando a bandeira da intolerância e da intransigência. É contra essa orientação opressora, e a favor da bandeira da diversidade e da liberdade, que me coloco na Assembleia, contando, para tanto, com a parceria dos deputados e deputadas dessa valente oposição progressista que compõe o bloco Democracia e Luta.

O trabalho que há por fazer, no que diz respeito à luta pela diversidade e pela liberdade em Minas, não é pequeno, assim como não é simples. Na Assembleia Legislativa, onde se encontra a minha trincheira institucional de luta, temos mantido o gabinete permanentemente aberto à causa LGBQIAPN+.

Para tanto, fiz questão de manter, na estrutura de assessoria, um GT especificamente voltado à temática de direitos humanos e diversidade, assim como reservei uma cota para o segmento dentro do nosso corpo de colaboradores. Também nos empenhamos, a partir de entendimento com a companheira de luta Duda Salabert, a manter uma assessoria especificamente dedicada à interlocução permanente com movimentos e coletivos LGBTQIAPN+, com cujos membros temos nos reunidos com frequência.

A mesma assessoria realizou um letramento sobre gênero e orientação sexual em uma de nossas reuniões de equipe, juntando, em uma produtiva discussão, elementos das três cidades em que temos escritórios de representação política. Paralelamente, averiguamos as denúncias que nos chegam, e que infelizmente são muitas, contribuindo, no que nos cabe como mandato parlamentar, para encaminhá-las às autoridades competentes a fim de que recebam a devida resposta.

Nosso plano de trabalho inclui ainda a realização periódica de encontros e a participação atenta em todos os debates que se fazem na Assembleia a respeito do direito à diversidade e à autodeterminação.

Luta institucional por políticas públicas

Por fim, mas não menos significativo, penso que um lugar especial deve ser dado à atividade legislativa. Como deputada do parlamento mineiro, entendo que é urgente suplementar, no que for possível, a legislação federal e instituir uma política mais abrangente e mais consistente para tratar de gênero e orientação sexual por meio de políticas públicas. Não me iludo com as dificuldades.

Sendo parlamentar, eu bem sei que praticamente todas as conquistas do segmento LGBTQIAPN+ no Brasil - do reconhecimento da constitucionalidade da união civil homoafetiva à cirurgia de transgenitalização, passando pela possibilidade de mudança de nome - não são conquistas legislativas e sim do Judiciário, sobretudo do Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar ações, ou mesmo da estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente ao criar linhas de atendimento, como as que regulamentaram o processo de transição.

Muito pouco, ou quase nada foi feito pelo Congresso Nacional, historicamente omisso em relação ao tema. Entretanto, isso não nos deve desesperançar. No que me toca, como deputada, aqui estou e aqui continuarei, na luta para que o amor possa dizer seu nome, em todas as suas formas e todas as suas cores.

Meu sonho é um estatuto da diversidade, construído coletivamente e colocado em vigor por um parlamento que, ao fazê-lo estará dando um luminoso exemplo ao Brasil. É difícil, eu bem sei, mas por certo não é impossível. Aliás, o direito de hoje, como sabemos, foi a luta de ontem e o sonho de anteontem. Que a luta continue sob a bandeira do arco-íris. Homotransfóbicos não passarão.

 

Lohanna França é deputada estadual pelo PV, vice-líder do bloco Democracia e Luta, vice-líder da bancada feminina e vice-presidenta da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Vereadora em Divinópolis, no Centro-Oeste Mineiro entre 2021 e 2022, foi eleita aos 28 anos para seu primeiro mandato estadual com um programa de trabalho que foca em meio ambiente, cultura, educação, diversidade e direitos humanos.


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Este é um artigo de opinião. A visão do/a autor/a não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Larissa Costa