Pernambuco

MARCO TEMPORAL

STF julga constitucionalidade de lei que ameaça Comunidades de Fundo de Pasto na Bahia

Segundo a lei 12.910/2013, comunidades que não fizeram regularização fundiária em 2018 podem ser expulsas do território

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto podem ser expulsas do seu território por causa de lei estadual na Bahia - Divulgação/IRPAA

No dia 2 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará a inconstitucionalidade de parte de uma lei do estado da Bahia. É a lei 12.910/2013, que apresenta a determinação de que Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto buscassem até 2018 o reconhecimento e a regularização fundiária. Assista:

A advogada Juliana de Athayde, da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), explica por quê esse artigo da lei é inconstitucional: “o estado da Bahia, inconstitucionalmente, determina um marco temporal, um limite de tempo, para que as comunidades tradicionais busquem junto ao estado o seu reconhecimento e titulação, ferindo o direito à autodeterminação dos povos que é garantido pela convenção 69 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e recepcionado pelo legislativo constituinte no Brasil”, explica a advogada.

Para além da inconstitucionalidade, a jurista aponta que a medida impacta diretamente o modo de vida das comunidades, já que o marco temporal “fere as previsões constitucionais de proteção e garantia dos modos de vida, de fazer e de saber das comunidades e povos tradicionais os povos originários se constituintes do Estado brasileiro, da nossas culturas e tradições”, ressalta..

Cosme da Silva Araújo é membro da Articulação Estadual de Fundo e Fecho de Pasto e conta como essa luta começou. “O processo de regularização fundiária nasce de anseio das comunidades que vinham sofrendo o processo de grilagem desde 1975. Elas começam a se organizar em associações nos anos 1980, começa o Estado a intervir para tentar amenizar esses conflitos. O processo de regularização fundiária gerou conflito, porque o Estado interviu com uma política que não era de acordo com a realidade das comunidades”, relembra Cosme.

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De acordo com Cosme, atualmente, há mais de 1500 comunidades; mas apenas 966 estão reconhecidas e certificadas pelo Estado. Essas comunidades são formadas por pessoas que têm algum grau de parentesco e moram há muitas décadas em uma mesma região, vivendo da agricultura, da pecuária e do extrativismo, como o extrativismo do umbu e do licuri, frutos da Caatinga.

A disputa acontece porque grandes empresas e o Estado veem esses territórios como uma oportunidade para investir na geração de energia e na expansão do agronegócio, como relata Cosme. “A expansão desses grandes empreendimentos de energia têm causado grande desconforto. E se a gente volta atrás um pouco a construção da Barragem de Sobradinho foi dentro das comunidades de fundo de pasto”, fala o agricultor, se referindo à expulsão de famílias dos seus territórios para a construção do lago artificial da barragem na cidade de Sobradinho (BA). 

Outro incômodo existe quando funcionários dessas obras chegam nas comunidades e inserem hábitos que não eram comuns no dia a dia da população, como o uso de drogas. As lideranças relatam também um aumento da violência contra a mulher, e que as jovens, por exemplo, sofrem com o assédio sexual e gravidez na adolescência.

Já Josineide Laurindo, conhecida como Josa, é integrante da Comissão de Fundo de Pasto do município de Juazeiro (BA). Ela já foi a Brasília duas vezes neste ano para acompanhar as sessões no STF, mas a pauta não chegou a ser julgada. 

Apesar disso, Josa pretende seguir na luta. “A luta é contínua. Mas a gente não pode desistir, né? Somos povo no nosso território, a nossa geração já vem de longe, os nossos antepassados. Então, a gente não pode abrir mão de uma coisa que a gente vive aqui há 200 anos nesse território para de repente chegar uma empresa, outra pessoa, e querer entrar, né? Não pode. A gente luta é para os nossos direitos”, finaliza.

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Edição: Vanessa Gonzaga