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Os danos continuados e agravados da lama das mineradoras no Rio Doce

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Atualmente há mais de 40 barragens com risco de rompimento somente em Minas Gerais. - Foto: Reprodução
Pela primeira vez uma comitiva do governo federal esteve na região e se propôs a ouvir os atingidos

Lá se vão quase oito anos do rompimento da barragem de Fundão, de propriedade das mineradoras Samarco/Vale/BHP Billiton, ocorrido em 5 de novembro de 2015. Até hoje, a reparação das pessoas e dos territórios ainda não se efetivou. Aliás, está bem longe disso. A vida nos 48 municípios mineiros e capixabas reconhecidos como atingidos não apenas se alterou profundamente naquele 5 de novembro, e nos 20 dias subsequentes até a chegada da lama na foz do Rio Doce, como segue sendo impactada pelos danos continuados e agravados desde então.

Embora seja mineira e acompanhe muitas questões ligadas à mineração, apenas recentemente pude me inteirar da grave condição das comunidades da bacia do Rio Doce. Confesso que me assustei com a severidade das condições de saúde, com a destruição ambiental e com a desestruturação econômica e social que vi na região. É espantoso como a questão não é mais falada, divulgada e denunciada em Minas Gerais e no Brasil.

Minha proximidade com a bacia do Rio Doce se deu a partir do momento em que passei a coordenar o grupo temático "Atingidas/os", um grupo interno do governo federal, dedicado a acompanhar os temas de interesse das pessoas atingidas na chamada repactuação do acordo do Rio Doce. Há alguns meses, me dedico cotidianamente ao tema, seja por meio de diálogos com movimentos sociais, parlamentares que acompanham o assunto, pesquisadores e outros interlocutores, seja por meio de leituras e estudos.

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Jornada de diálogo com os atingidos

Entre 14 e 24 de julho de 2023 estive em campo, junto à uma comitiva do governo federal que percorreu mais de 2,4 mil quilômetros entre Mariana (MG) e Conceição da Barra (ES) e dialogou diretamente com mais de 2 mil pessoas, nas regiões do alto, médio, baixo e da planície costeira do Rio Doce.


A comitiva do governo federal dialogou com mais de 2 mil pessoas / Foto: Reprodução

Ao todo, foram mais de 50 horas de escuta, em 16 encontros e visitas com a presença da Secretaria-Geral da Presidência da República, do Ministério da Saúde, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, do Ministério da Pesca e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

O planejamento e a organização da jornada foram construídos com movimentos sociais e assessorias técnicas independentes que atuam na bacia. Essas são entidades independentes das mineradoras, com equipes multidisciplinares, que dão suporte às pessoas atingidas na luta por justiça e por reparação – uma forma de reduzir a desigualdade abissal de poder entre atingidos e empresas.

O pressuposto da jornada foi de que, ao invés das pessoas se deslocarem por longas distâncias, o governo deveria se mover para escutá-las. Nosso objetivo era ver e ouvir as demandas das comunidades e dialogar sobre propostas que vêm sendo gestadas na União, com destaque para o tema da participação social. O relatório dos diálogos é público e pode ser baixado aqui.

Por que essa escuta mais de sete anos após o rompimento?

O atraso nas ações de reparação – ambiental, econômica, social e cultural – provocou a judicialização de diversos compromissos dispostos no acordo celebrado em 2016. Tal fato somou-se à paralisia das decisões judiciais, de maneira que em 2021 teve início a discussão de um novo acordo, conhecido como repactuação do Rio Doce – que envolve as empresas e os poderes públicos: Ministérios Públicos Federal, de MG e do ES, Defensorias Públicas da União, de MG e do ES, governos dos estados de MG e do ES e a União (dado que o Rio Doce é um rio federal, pois percorre mais de um estado).

Diferentemente do acordo anterior, que criou a Fundação Renova para executar as ações de reparação, o acordo em elaboração prevê que a reparação será executada pelo poder público, com recursos oriundos das empresas, restando algumas poucas obrigações das mineradoras (essas ainda em discussão).

Após muitas idas e vindas, e um esforço hercúleo para que o acordo não fosse assinado em 2022, temos a equipe do presidente Lula, com mais de uma dezena de ministérios envolvidos, dedicada ao exame do texto construído nos anos anteriores e com tarefa de propor ações e políticas públicas para reparar e compensar os danos causados pelo rompimento.

Esse é o contexto que me levou ao Rio Doce junto aos colegas dos demais ministérios. Pela primeira vez uma comitiva do governo federal esteve na região e se propôs a ouvir as pessoas atingidas.

A bacia do Rio Doce é um território rico e diverso

A situação é complexa e desafiadora. Já era gravíssima em 2015, mas se aprofundou e se ampliou de lá para cá. Ao mesmo tempo em que os danos são continuados, há uma diversidade de segmentos sociais com danos semelhantes e também específicos: agricultores, pescadores, ilheiros, ribeirinhos, comerciantes, população urbana em geral e por aí vai. As particularidades regionais são outro complicador, uma vez que cada uma das regiões atingidas (alto, médio, baixo, planície costeira) tem questões próprias, que demandam medidas diferenciadas.


O Rio Doce passa por 34 cidades de Minas Gerais / Foto: Reprodução

Desrespeito é uma das palavras que melhor define a situação do Doce. Desrespeito e descaso das empresas e também do poder público. Causa ainda mais indignação saber que o rompimento de Fundão não foi o primeiro e nem o único rompimento de barragens de mineração. Quatro anos depois, vimos o rompimento da barragem B1, em Brumadinho, e atualmente há mais de 40 barragens com risco de rompimento somente em Minas Gerais.

O que será feito do maior crime socioambiental da história brasileira? Não se sabe. O poder das mineradoras é notável, alcança os mais diversos espaços de poder e se empenha para desestruturar o tecido social das comunidades. Contudo, há movimentações fortes e enraizadas pela reparação justa e integral, assim como há uma potente rede de parceiros apoiando a luta das comunidades atingidas.

 

 

Luiza Dulci é economista e doutora em sociologia. Integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo e constrói o Movimento Bem Viver MG.

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Leia outros artigos de Luiza Dulci em sua coluna no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa