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Novo Plano Diretor de Contagem: resultado da luta e de um governo democrático

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Imagem de Contagem - Foto: Divulgação
Plano de 2019 colocava em risco a segurança hídrica da cidade

O Plano Diretor é uma lei municipal que orienta o crescimento e o desenvolvimento urbano de todo município. É o principal instrumento urbanístico previsto pelo Estatuto da Cidade e deve ser elaborado com a participação da sociedade. É um pacto social que define as ferramentas de planejamento urbano para reorganizar os espaços da cidade, definir o uso e a ocupação do solo, bem como garantir a melhoria da qualidade de vida da população.

Engana-se quem pensa que o atual Plano Diretor de Contagem foi resultado apenas de 17 meses de trabalho técnico, de debates da IV Conferência de Política Urbana (IV CMPU) e revisão legislativa. E se fosse apenas isso, já seria um avanço significativo quando comparado ao processo de revisão do Plano Diretor aprovado em 2018 no governo anterior. Plano esse que teve sua aplicação suspensa pela justiça por sua ilegitimidade e por representar uma ameaça à preservação das bacias do Bom Jesus e de Vargem das Flores.

O Plano Diretor aprovado pelos vereadores em primeiro de setembro de 2023 não foi resultado apenas do processo institucional da IV Conferência Municipal de Política Urbana (CMPU). Houve uma longa gestação por meio da jornada de lutas que o precedeu. 

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Plano 2019: inadequado e ilegítimo

Essa jornada teve início em 2017 e denunciou a inadequação, ilegalidade e ilegitimidade do Plano Diretor do governo passado e que posteriormente incidiu no debate eleitoral e em todo o processo de elaboração do Novo Plano Diretor da cidade.

Muitas foram as fases dessa jornada entre os anos de 2017 e 2020: inicialmente, buscou-se incidir na realização da “Conferência” que atropelou os mecanismos de participação e impediu o envolvimento dos diversos setores da sociedade. Em seguida, passou-se à denúncia do teor da legislação construída sem legitimidade social, buscando alertar a população contagense e seus parlamentares.

O que estava em curso na cidade era a aprovação de um crime ambiental, uma vez que o Plano Diretor de 2019 acabava com a área rural, permitindo assim, a urbanização da bacia de Vargem das Flores e do Bom Jesus. Fato que colocava em risco a segurança hídrica de Contagem e da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Além disso, o Plano de 2019 reproduzia as desigualdades e segregações socio-territoriais de Contagem.

Paralelamente às lutas sociais, medidas judiciais e institucionais também foram tomadas. O Plano foi objeto de ações civis públicas junto ao Ministério Público que culminaram no impedimento da sua aplicação.

Conferência de Política Urbana envolveu mais de 1.150 pessoas

Tivemos ainda, em 2020, a eleição da prefeita Marília Campos, que tem na sua história, a marca da defesa de Vargem das Flores. Durante a campanha, ela assumiu o compromisso de fazer a revisão do Plano Diretor de forma participativa e democrática. Cumprindo seu compromisso, uma das primeiras ações do governo Marília foi convocar a IV Conferência Municipal de Política Urbana (IV CMPU) que deu início aos debates para a construção do Novo Plano Diretor.

Esta foi a maior Conferência de Política Urbana da história da cidade e envolveu mais de 1.150 pessoas, elegendo mais de 100 delegados ao longo de quase um ano de duração.

Por ter sido precedida por um ciclo de lutas e por ser realizada por um governo comprometido com a democracia, a IV Conferência se constituiu num rico processo de construção política democrática porque não abafou os conflitos.  Pelo contrário, criou as condições para a emergência das disputas de interesse e de concepção de cidade. Afinal, como nos diz o sociólogo Lefort, “o gesto inaugural da democracia é o reconhecimento da legitimidade do conflito”.

Novo Plano Diretor

Ermínia Maricato (2013) afirma que “o processo de formulação participativa de um plano pode ser mais importante que o plano em si (...). A constituição e consolidação dessa esfera de participação política é que poderá auxiliar na implementação de um sistema de planejamento e nas reorientações ao plano”.

O novo Plano Diretor de Contagem deverá contar com essa esfera participativa na sua implementação e possível reorientação ao longo dos anos. Até porque, um dos instrumentos inovadores previstos neste Plano é o Sistema de Gestão participativa, que garante o monitoramento do Plano a partir do Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR) e conta com a previsão de plenárias anuais para acompanhamento da execução do Plano.

Além do Sistema de Gestão Participativa, o novo Plano Diretor de Contagem conta com uma série de inovações urbanísticas, democráticas e ambientais. Uma delas é a redução do coeficiente de aproveitamento e previsão da outorga onerosa. Trata-se de um pagamento de contrapartida ao município em caso de construção que exceda o coeficiente. O Coeficiente de Aproveitamento é um número que, multiplicado pela área de um terreno, indica a quantidade total de metros quadrados passíveis de serem construídos.

Outra importante inovação democrática é o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)  - um estudo técnico que analisa os possíveis impactos que atividades e empreendimentos podem causar nas condições de vida da população residente em sua área de influência ou vizinhança, preponderantemente relacionados aos aspectos de ambiência, funcionais, paisagísticos, sociais e urbanísticos, ampliando o poder de decisão do cidadão contagense.

Do ponto de vista ambiental, o principal ganho do Plano foi o retorno das áreas rurais de Contagem para assegurar a preservação das bacias de Vargem das Flores, do Bom Jesus e impedir o licenciamento do famigerado Rodoanel. Uma grande vitória do povo de Contagem!

Vitória que só foi possível pela confluência das lutas sociais e do firme compromisso da prefeita Marília com a preservação socioambiental no município.

Outras importantes inovações são o IPTU Ambiental e o Pagamento por Serviços Ambientais: dois instrumentos que buscam viabilizar incentivos financeiros para ações de preservação ambiental destinadas a conservação da biodiversidade, sequestro de carbono, reciclagem de recursos e outras, visando à melhoria das condições ambientais dos ecossistemas e do espaço urbano. Vale destacar ainda a presença e garantia dos direitos animais no Plano Diretor.

Além disso, ao final do Plano, temos nas diretrizes temáticas, a compilação das principais políticas e obras de mobilidade, drenagem, saneamento, habitação, patrimônio cultural, meio ambiente, requalificação de espaços públicos, criação de novos parques, ciclovias, etc. Um conjunto de ações que fazem do Plano Diretor de Contagem um verdadeiro Plano de Ação para a garantia do direito à cidade para todos e todas.

Social e ambientalmente avançado

Costumo dizer que o novo Plano Diretor de Contagem é um dos Planos mais avançados do Brasil, justamente porque é social e ambientalmente orientado. A perspectiva do desenvolvimento econômico-social com preservação ambiental perpassa todo o planejamento urbano.

Um resultado como esse não poderia ser obtido sem o processo de lutas que o precedeu. Mas também não seria possível se não tivesse um governo comprometido com a construção de uma cidade justa, democrática, inclusiva e ambientalmente preservada.

Posso afirmar, como delegada eleita da Conferência e como ativista das lutas entre 2017 e 2023, que a elaboração desse Plano conseguiu a façanha de aproximar quem administra e planeja a cidade de quem vive e constrói suas histórias nessa grande cidade viva que se tornou Contagem, hoje!


Adriana Souza é professora de História, ativista socioambiental do SOS Vargem das Flores, co-fundadora do Coletivo Com Elas e Assessora do Gabinete da Prefeita Marília Campos em Contagem.

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida