Minas Gerais

Coluna

Cuidar de quem precisa de cuidados e cuidar de quem cuida

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O cuidado, que sempre foi necessário, tornou-se um campo de trabalho e tema também das políticas públicas - Foto: DIvulgação
No sábado (30), às 10h13, acontece em BH um encontro aberto para discutir políticas de cuidados

Por Luiza Dulci e Gabriela Goulart

Nos últimos anos, muito tem se falado sobre os trabalhos de cuidados, ou seja, cuidados domésticos e com pessoas dependentes, como crianças, idosos, doentes, pessoas com deficiência e outros. É notável como se ampliou o mercado de trabalho para as cuidadoras, em razão sobretudo do envelhecimento de nossa população.

Da mesma forma, a pandemia acentuou as demandas de cuidado, assim como evidenciou a importância dessas tarefas e o quanto elas são essenciais para a vida humana em sociedade. Também as mudanças climáticas têm demandado mais cuidado, em função das secas, dos impactos sobre a produção de alimentos e do aumento de doenças. Apesar disso, a realidade do Brasil e do mundo é que as tarefas de cuidado são, via de regra, mal remuneradas ou mesmo não remuneradas.

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Ou seja, apesar de essenciais para a reprodução social e para viabilizar toda e qualquer atividade produtiva, dentro e fora dos lares, as pessoas que cuidam não são reconhecidas e valorizadas pelo trabalho que realizam, seja pelas próprias famílias, pela sociedade em geral, pelas empresas e pelos governos. Basta lembrar que todo esse conjunto de atividades invisibilizadas não entra nos cálculos das contas nacionais que resultam nos valores de PIB e de outros indicadores econômicos.

Por conta disso, a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) elaborou o Projeto de Lei (PL) 638/2019 que dispõe sobre a inclusão da economia do cuidado no sistema de contas nacionais, usado para aferição do desenvolvimento econômico e social do país para a definição e implementação de políticas públicas.

E quem são as pessoas que cuidam?

Em geral, mulheres, mulheres negras, mulheres pobres. Conforme aponta o relatório “Tempo de cuidar”, de 2020 da Oxfam, mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam, todos os dias, 12,5 bilhões de horas ao trabalho de cuidado não remunerado, que movimenta aproximadamente US$ 10,8 trilhões anuais na economia global, mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia mundial. Ainda segundo a Oxfam, mulheres e meninas formam a maioria da força de trabalho não remunerado (75%) e remunerado (66%).

Segundo o Dieese, as mulheres representam 92% das pessoas ocupadas no trabalho doméstico no Brasil. Dessas, 65% são negras. Adicionalmente, a maioria está acima dos 40 anos e tem renda média inferior a um salário-mínimo.

A chamada PEC das Domésticas (Emenda Constitucional 72/2012), uma grande conquista do governo Dilma, jogou luz sobre as violações cotidianas a trabalhadoras domésticas em nosso país e avançou ao regulamentar a categoria. Vale lembrar que há no Brasil quase 5 milhões de trabalhadoras domésticas, o que equivale a 5,7% da força de trabalho ocupada no país, e 70% delas não possuem carteira assinada.

A desigualdade salarial entre mulheres e homens nessa ocupação é notável: em média, uma mulher no emprego doméstico recebe 78,44% do rendimento de homens que exercem as mesmas funções.

Ações do governo federal

Assim como ocorreu com as domésticas, atualmente está posta a demanda pela regulamentação das trabalhadoras do cuidado. Esse é um dos temas que motivou a criação do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) de Cuidados no governo federal em março de 2023, que conta 17 ministérios, e tem o objetivo de elaborar uma Política e um Plano Nacional de Cuidados. São quatro os públicos prioritários: crianças; idosos; pessoas com deficiência; e trabalhadores/as do cuidado.

Para tanto, o novo governo Lula criou duas secretarias nacionais específicas para lidar com o tema: Secretaria de Cuidados e Família, no Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e Secretaria de Autonomia Econômica e Política de Cuidados, no Ministério das Mulheres (MM).

A elaboração do GTI Cuidados tem buscado conhecer e dialogar com experiências internacionais, sobretudo da América Latina, e nacionais, de estados e municípios.

Propostas para Minas Gerais e para BH

A prefeitura de Belo Horizonte tem sido parceira dessa construção, apresentando ações municipais nas áreas da assistência social e da saúde, boa parte das quais originárias dos investimentos e do fortalecimento das políticas públicas das administrações do Partido dos Trabalhadores.

Em 2022, o Movimento Bem Viver MG e outros parceiros, se dedicaram a elaborar propostas sobre cuidados para Minas Gerais. Três delas merecem destaque:

1. Elaborar e implementar um Sistema Estadual de Cuidados, com a plena participação das mulheres, dos públicos prioritários dos cuidados e da sociedade em geral;

2. Fortalecer a legislação de direitos das cuidadoras e cuidadores e garantir salários justos e condições de trabalho decente;

3. Desenvolver ações voltadas à transformação cultural, com campanhas públicas de valorização dos cuidados e das cuidadoras e que visem combater visões que assumem o trabalho de cuidado como obrigação natural das mulheres ou como derivado de afetos e carinhos próprios das famílias.

Como se vê, há muito a ser feito, assim como há muitas experiências dispersas pelo Brasil e pelo mundo que podem subsidiar a criação de políticas e de um sistema de cuidados em Belo Horizonte, em Minas Gerais e no Brasil.

Para dar seguimento a esse debate e a essa luta, o mesmo Movimento Bem Viver MG realiza um encontro aberto no próximo 30 de setembro para discutir políticas de cuidados em Belo Horizonte e dialogar com pessoas que estudam e trabalham na área. A atividade acontece no Espaço Yanã (Avenida Francisco Sales, 127, Belo Horizonte), às 10h13.

 

Luiza Dulci é economista e doutora em sociologia. Integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo e constrói o Movimento Bem Viver MG. Também participa do GTI Cuidados, na condição de titular da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Gabriela Goulart é mestra em economia com atuação nas áreas de relações governamentais, regulação financeira e desenvolvimento econômico. Atualmente é consultora no Laboratório de Inovação Financeira, inciativa do BID, CVM, ABDE e GiZ.

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Leia outros artigos de Luiza Dulci em sua coluna no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa