Minas Gerais

Coluna

O dia que não terminou

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Imagem ilustrativa - Foto: Freepik
Os dois pombinhos viviam numa espécie de Faixa de Gaza

As famílias eram contra o casamento. Cada família tinha seus motivos. Uma família vociferava:

— Esse sujeito não presta! Ele não trabalha! Só vive de conversa fiada pelo bairro! Não tem dinheiro nem responsabilidade para sustentar uma casa. O pai dele já foi presidiário. Ele faz o que da vida?

A outra família retrucava:

— Ela é vagabunda! Fica o dia todo na academia, no salão de beleza, passeando com um cachorro pra lá e pra cá! Não é mulher pra casar! Já namorou o bairro todo! Você será um chifrudo daqueles. Olha a mãe dela com aquela idade avançada, parece uma piriguete andando por aí, com aquele short bem curtinho. E o cabelo dela, hein? Pixaim, meu Deus!

E assim os dois pombinhos viviam numa espécie de Faixa de Gaza.  Pisando em ovos.

Ele não ligava muito para as tais críticas. Ignorava. Ela ficava mais chateada. Só que o pai da moça resolveu que iria desmascará-lo de qualquer maneira. Começou a segui-lo por onde ia. O pensamento obsessivo para liquidar com o casamento, não saia da sua cabeça.

Ele tinha o hábito de ficar tomando umas cervas num boteco perto de casa e jogava truco todo dia à noite. Era sagrado para ele. O pai da moça estava disposto a tudo. Não queria o casamento de jeito nenhum.

A mãe dele também teve a mesmíssima ideia. Só que desistiu. A moça tinha muitos fãs no bairro. E começou a falar da mãe dele. O pai continuava a mil por hora com seu plano maligno.

Um dia, a moça chegou furiosa e foi direta perguntando:

— Que negócio é esse que meu pai me contou?

— Que negócio, amor?

Ela realmente estava brava e não tirava os olhos dele. E aos gritos, perguntou:

— Você tem um filho com uma vagabunda da rua debaixo?

— Filho? Que maluquice é essa? De jeito nenhum.

E o pau quebrou. Ficou um disse-me-disse. Eles terminaram. Cada um foi pro lado.

Ela se casou grávida com outro. A dúvida sempre perdurou na família. O silêncio também. Ela separou. Depois viuvou, de outro. Resolveu ficar sozinha.

Anos depois, eles se encontraram sem querer num circo famoso que passava na capital. Ela levou o filho, que já tinha treze anos. Ela reparou que o filho estava muito parecido com ele. Os olhos eram puxados e uma mancha no rosto. Por obra do destino, ele era o bilheteiro. Os dois começaram uma conversa por ali mesmo. Ele soube que ela tinha se separado e era viúva do segundo marido. Conversa vai e vem, ela descobre que ele nunca tinha casado e não teve filhos.

Ele explicou, meio constrangido, que vivera com uma mulher por anos e não tiveram filhos. Ela o interrompeu:

— Parece que é um carma pra você, né? Ele só balançou a cabeça.

Ela foi embora sem dar mais uma palavra.

 

Edição: Larissa Costa