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Guerra em Gaza coloca mercado do petróleo em alerta e abre espaço para Venezuela

Ampliação do conflito pode impactar indústria venezuelana; recente suspensão de sanções dos EUA cria oportunidades

Caracas (Venezuela) |
Atualmente, segundo dados da OPEP, Venezuela produz cerca de 800 mil barris de petróleo por dia - Miguel Zambrano/AFP

A recente escalada dos ataques de Israel contra a Faixa de Gaza colocou o mercado mundial de combustíveis em alerta e a produção petroleira da Venezuela voltou a ser foco de atenções no cenário geopolítico. Isso porque a produção do país sul-americano, que possui as maiores reservas de petróleo do mundo, agora poderá ser negociada internacionalmente sem impeditivos, já que os Estados Unidos decidiram suspender algumas sanções contra a indústria energética venezuelana.

Segundo analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, o cenário mundial pode alavancar as exportações da Venezuela, não só pelo aumento nos preços do petróleo, mas também por um provável crescimento da demanda. Na primeira semana do conflito no Oriente Médio, os preços do barril tipo brent - utilizado como referência mais comum no mercado mundial - dispararam e chegaram a sofrer uma alta de 4%. Apesar de contidos na última semana, a tendência nos preços é de novos aumentos caso as hostilidades em Gaza se ampliem.

"Em todos os conflitos, lamentavelmente temos que dizer isso, as guerras geram aumentos nos preços do petróleo e os países produtores são beneficiados. Neste momento, a Venezuela não será a exceção", afirma Miguel Jaimes, doutor em geopolítica petroleira.

O pesquisador destaca que um possível envolvimento de outros países árabes produtores de petróleo que são aliados da Palestina poderia gerar um choque no fluxo de fornecimento, compra e venda de combustíveis, já que ao lado de Israel estão os EUA, o maior consumidor de petróleo do mundo. Além disso, uma ampliação da zona em guerra poderia bloquear passagens no golfo pérsico, o que encareceria os custos de transporte, afetando ainda mais os preços do barril.

"O planeta hoje é mais inseguro, há mais países em guerra e isso abre possibilidade para situações como as que vivemos, que obriga que mais países entrem em conflitos. O Iêmen, com a pouca força que tem, já está se envolvendo para conter os ânimos de Israel e também se espera uma decisão do Hezbollah, então o cenário está dado", diz Jaimes.

::O que está acontecendo na Venezuela::

Nesse contexto, a produção venezuelana volta à cena: histórico produtor e exportador de petróleo com fácil saída marítima pelo Mar Caribe e a curtas distâncias das refinarias norte-americanas, o país poderia se converter em um provedor seguro de combustíveis ao Ocidente.

"Essa possibilidade está dada desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022", explica Jaimes. À época, Europa e EUA decidiram cortar importações de combustíveis russos como uma maneira de retaliar Moscou pela invasão ao país vizinho. A decisão criou um problema na demanda que forçou uma aproximação entre os estadunidenses e o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro.

No entanto, o conflito no leste europeu não foi suficiente para desbloquear a participação venezuelana no mercado internacional de petróleo, já que as sanções emitidas pelo ex-presidente Donald Trump em 2019, que praticamente proibiram que a estatal petroleira do país, a PDVSA, realizasse qualquer transação com entidades públicas e privadas estrangeiras, seguiram vigentes.

::EUA anunciam suspensão temporária de sanções contra petróleo e gás da Venezuela::

"Os EUA trabalharam para paralisar a indústria petroleira venezuelana e deixaram o petróleo paralisado aqui para que ninguém mais pudesse tocá-lo. Por isso, em 2019 caímos a 300 mil barris diários, o que representou praticamente uma falência técnica da indústria petroleira", diz o pesquisador.

Agora o cenário é diferente. Após a assinatura de um acordo entre o governo e a oposição da Venezuela que estabeleceu um cronograma e regras para as eleições presidenciais de 2024, Washington anunciou a suspensão temporária das sanções de 2019 e, pela primeira vez em quatro anos, Caracas terá a oportunidade de negociar seu petróleo livremente.

Venezuela vai aproveitar a oportunidade?

As possibilidades de voltar ao mercado petroleiro em meio a uma conjuntura economicamente favorável podem representar o início de um ciclo virtuoso para a Venezuela, que tem na indústria energética sua principal fonte de dólares. Um pico nas exportações e na arrecadação de divisas ofereceria ao país a chance de frear a inflação, recuperar o poder de compra dos venezuelanos e sair de vez da crise econômica.

No entanto, a tarefa não é tão simples. Os anos de crise agravada pelas sanções de Washington afetaram diretamente a capacidade produtiva instalada no país e a PDVSA perdeu diversos contratos com parceiros internacionais.

:: Presidente da maior entidade empresarial da Venezuela pede fim do bloqueio: 'empobreceu o país' ::

Os sintomas são observados nos índices de produção, que sofreram quedas bruscas ao longo dos últimos 10 anos, influenciadas pelos preços internacionais e pela ampliação do bloqueio dos EUA. Em 2015, quando ainda não havia sanções impostas contra a PDVSA, mas os preços já experimentavam quedas, o país produzia cerca de 2,8 milhões de barris de petróleo por dia. Já em 2019, no auge da crise e das sanções, a PDVSA chegou a produzir apenas 300 mil barris diários.

Atualmente, segundo dados da OPEP, a produção venezuelana está em cerca de 800 mil barris por dia, um leve crescimento em relação aos anos mais duros da crise, mas ainda longe do potencial que as reservas do país oferecem.

Para Carlos Mendoza Potellá, professor emérito de Economia da Universidade Central da Venezuela (UCV), não será fácil reinserir a Venezuela no comércio internacional, já que a baixa produtividade interna também enfrentaria um aumento na concorrência surgida nos últimos anos. "É preciso reconquistar mercados, hoje temos os casos da Guiana, do Suriname e até mesmo do Brasil, que embora seja voltado ao consumo interno, se tornou um grande produtor de petróleo", explica.

::Menos sanções, mais petróleo: o que significa o retorno da Chevron à Venezuela::

Potellá ainda afirma que, com investimentos, a capacidade produtiva do país poderia chegar a 2 milhões de barris de petróleo por dia nos próximos três ou quatro anos. No entanto, o professor alerta para a imprevisibilidade da previsão, tanto no quesito financeiro quanto nas implicações políticas da conjuntura, que podem significar um obstáculo para essas metas.

"O cenário é instável, não sabemos se os EUA vão manter as sanções suspensas. De qualquer maneira, custaria muito realizar o que chamamos de recuperação secundária ampliada, que envolveria recondicionar os poços em funcionamento, recuperar os que foram fechados e tudo isso envolve altos custos de reparo e manutenção pelo tempo em que sofreram essa deterioração", diz.

A crise na produção fez com que as exportações despencassem e, consequentemente, o país passou por uma escassez de divisas que gerou problemas como desabastecimento de itens básicos e uma hiperinflação que deixou sequelas duradouras na economia. Segundo dados oficiais do governo, entre 2015 e 2022 a Venezuela deixou de arrecadar 2,3 bilhões de dólares provenientes dos quase 4 bilhões de barris de petróleo que o país deixou de produzir.

Os problemas na arrecadação do Estado coloca dúvidas sobre a capacidade de investimentos no setor energético, já que todo o ciclo do petróleo no país está nacionalizado e depende majoritariamente de recursos estatais para produzir. O recente retorno da Chevron à Venezuela levantou o debate de uma possível revisão nas regras das empresas mistas, que hoje possuem amplo controle da PDVSA, mas ainda não há indícios de que o governo estaria preparado para ceder mais controle ao capital privado, já que demandaria uma reforma na lei de hidrocarbonetos e até mesmo na Constituição venezuelana.

Edição: Leandro Melito