Minas Gerais

NOVEMBRO NEGRO

“A cultura salva”: sambista Adriana Araújo conta como é a realidade das artistas negras em BH

Em entrevista ao Brasil de Fato MG, cantora fala sobre o papel da arte no enfrentamento do racismo

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
No marco do Novembro Negro, mês da consciência racial, o Brasil de Fato MG entrevistou Adriana Araújo - Foto: Instagram/ @adrianaaraujooficiall

Crescida na Pedreira Prado Lopes, uma das maiores e mais antigas favelas de Belo Horizonte, Adriana Araújo é um dos nomes que vêm ganhando cada vez mais destaque na cena do samba da capital mineira.

Negra de pele retinta, ela conta que não são poucas as barreiras enfrentadas pelas mulheres pretas que fazem da cultura sua profissão e palco de resistência. Ainda assim, Adriana destaca o papel da arte na formação de quem ela é hoje.

“A cultura, a arte e a música têm um papel social muito importante e faz com que a gente abra não só a mente, mas também os olhos. Ela nos ajuda a enxergar outros horizontes, outras possibilidades”, conta a sambista e compositora.

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No marco do Novembro Negro, mês da consciência racial, o Brasil de Fato MG entrevistou Adriana Araújo para conhecer um pouco mais de sua trajetória e conversar sobre o papel da arte e da cultura na construção de uma sociedade antirracista.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato MG: qual é o papel da cultura na formação da mulher que você é hoje?

Adriana Araújo: Foi muito importante. Tenho plena certeza de que a cultura salva vidas. A cultura, o esporte e tudo o que é voltado para a gente adquirir conhecimento. Foi assim que eu me transformei realmente na pessoa que sou hoje, foi por meio da cultura.

A cultura, a arte e a música têm um papel social muito importante e faz com que a gente abra não só a mente, mas também os olhos. Ela nos ajuda a enxergar outros horizontes, outras possibilidades para gente poder crescer como pessoa, como ser humano. Para que a gente consiga ter mais amor um pelo outro. A música é isso. É amor e tranquilidade.

Quais são os principais desafios enfrentados por mulheres negras e periféricas que ocupam a cena cultural?

A realidade é árdua. São muitas pedras no caminho. A gente bate nas portas e elas não se abrem. A gente sabe que, quanto mais escura a cor da pele, mais difícil é a abertura dessas portas, principalmente sendo mulher, preta retinta e ainda periférica e vinda de uma comunidade. Não é de um bairro simples, é de uma comunidade mesmo, onde a marginalização é expressiva, muito explícita e muito potente em cima da gente. As portas se fecham.

Lembro que, quando era adolescente, tinha vergonha de dizer de onde eu vinha. Na verdade, nem era vergonha, era medo. Porque sabia que se eu dissesse, as portas se fechariam e eu não conseguiria entrar em certos lugares, acessar certas coisas.

Agora não. Hoje tenho orgulho de dizer de onde eu vim. Mas, mesmo assim, ainda há muitas barreiras para serem ultrapassadas. As pessoas ainda viram o nariz e olham de maneira diferente. Mas, a gente, com muita luta, muito trabalho e muita competência, não só minha, mas de toda a minha equipe, está mostrando para as pessoas dessa sociedade que a gente é capaz, que a gente é potente e que conseguimos chegar lá.

Como a arte passou a fazer parte da sua vida?

Sou cantora, compositora e sambista de Belo Horizonte, nascida e criada na Pedreira Prado Lopes. Passei a infância, a adolescência e boa parte da minha vida adulta naquele lugar, de onde tenho muito orgulho de ter vindo.

Não tenho nenhuma veia familiar que eu pudesse dizer que é artística, não tenho nenhum parente da área. É como se tivesse acontecido na minha vida uma coisa meio sobrenatural.

Fiz dança afro com uma artista gigantesca, que nos deixou há um tempo, chamada Marlene Silva. Foi oferecido para gente aulas de dança gratuitas para quem morasse na Pedreira Prado Lopes. Eu comecei a fazer arte com ela, na dança.

Posteriormente, conheci um projeto que tem aqui em BH chamado Oficina Cultural, que oferece teatro, dança e outras expressões artísticas. Eu fiz teatro e, depois, fiz alguns períodos de música. Participei de três oficinas desse projeto.

Anos depois, o meu atual marido, se juntou com alguns amigos e fizeram um “junta junta”, para poder ajudar uma tia a construir um bar, que era o sonho dela. Essa brincadeira se transformou em uma coisa séria. Eu, mineiramente, comecei a “comer pelas beiradas”, fazendo uma participação “aqui” e cantando uma música “ali”.

Na época, montaram um grupo de samba e eu fiz parte desse grupo. Em 2020, eu saí desse grupo, que participei por mais de dez anos, e comecei a construir a minha carreira solo.

O meu primeiro show foi no dia 8 de março de 2020 e, na semana seguinte, já estava tudo fechado devido à pandemia. Então, eu comecei a fazer lives e minha carreira começou a caminhar de uma forma linda.

De onde você tira forças para enfrentar as barreiras impostas pelo racismo?

Da minha mãe. Minha mãe foi uma mulher muito forte, muito potente. Uma mulher que sofreu violência a vida inteira, do pai, da sociedade, do marido, que era extremamente violento. Mas, ela não desistiu. Ela lutou pelos seus, que eram os quatro filhos dela.

Ela trabalhou, se abdicou da própria vida e arranjou força para poder nos dar condições de sermos o que somos hoje. Então, a força desta mulher preta aqui, vem de outra mulher preta retinta, que é a minha mãe.

Na sua opinião, qual é o papel da arte, da cultura e dos artistas na construção de uma sociedade antirracista?

O nosso papel é de extrema importância. Eu estava conversando sobre isso com uma pessoa há um tempo, com relação ao nosso papel político. Eu ainda não tinha me atinado dessa posição – eu, meu corpo, minha arte – ser política. Porque nós, mesmo não querendo ou não sabendo ser, somos seres políticos.

É a nossa importância de mostrar para as pessoas e para a sociedade, que ainda têm essa mente tão pequena, que eu acho tão pobre, não financeiramente, mas de mentalidade, de achar que eles são superiores, por conta da cor de pele. O nosso trabalho, inclusive das pessoas brancas, é de mostrar que esse pensamento já está ultrapassado. Nós somos pessoas pensantes, que lutamos pelos nossos e por nós mesmos e que merecemos e temos que ter respeito.

Se você pudesse dizer algo para as meninas e adolescentes negras que estão hoje espalhadas pelas periferias do Brasil, o que diria?

Eu digo para vocês, não desistam, não desistam dos seus sonhos. Agarrem eles com unhas e dentes e não deixem nada e nem ninguém dizer o contrário dos seus sonhos e impedir que vocês consigam trilhar e pavimentar a sua estrada. Só você e Deus sabem da sua luta, da sua capacidade e da sua competência. Então, somente vá e tenha fé em você.

Acompanhe

Em 2021, Adriana Araújo lançou o seu primeiro disco autoral, o Minha Verdade. Em 2022, ela gravou o DVD Último Samba do Ano e, neste ano, o Adriana Araújo canta Alcione.

Nas redes sociais, a artista já reúne mais de 30 mil seguidores. Para conhecer melhor o trabalho de Adriana, clique aqui.

 

Edição: Larissa Costa