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Artigo | Desmonte das carreiras das professoras prejudica luta democrática

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"A importância dos sindicatos das professoras da educação básica só cresceu. " - Foto: Sindiute
Professoras aumentaram seu peso no movimento sindical

Pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos mostra que professores, cientistas e médicos, são, nesta sequência, os profissionais mais confiáveis para a população brasileira. Na outra ponta, como pouco confiáveis, estão os políticos, os ministros, os funcionários de gabinetes e os banqueiros.

No entanto, observa-se um enorme preconceito da intelectualidade brasileira, oriunda de universidades e instituições de pesquisa, em relação às professoras da educação básica. Ou seja, preconceito com as pessoas que compõem a grande maioria do professorado brasileiro.  

Esquecem que foram estas mulheres negras e da classe trabalhadora que, em suas triplas e quádruplas jornadas de trabalho, tiveram tempo e energia para, no final dos anos de 1970, se articular e organizar alguns dos mais vibrantes e atuantes sindicatos na defesa da escola pública e do Estado Democrático de Direito.

A história da Constituição de 1988 passa pela importância capilar e mobilizadora dos sindicatos das docentes da educação básica, um dos mais importantes protagonistas da cena política do período!

De lá para cá, com o enfraquecimento de sindicatos outrora poderosos, como o dos metalúrgicos e dos bancários, para ficarmos em apenas dois exemplos, a importância dos sindicatos das professoras da educação básica só cresceu.

Os fatores que explicam este fenômeno são muitos, dentre eles podemos destacar: o número de trabalhadoras da educação teve um crescimento expressivo no período; a elevada formação média dessas profissionais; a capilaridade por todo território das escolas e, logo, de suas profissionais; a natureza mesma do trabalho docente que exige a reflexão, o encontro constante e a presencialidade e a convivência por longos períodos de tempo; a relativa segurança trazida pela realização de concursos públicos com a consequente garantia de não serem dispensadas por motivos políticos como outrora; o etos político-profissional da profissão que anima as suas participantes com a ideia de transformação social.

Todos estes elementos colaboraram para que os sindicatos das professoras e demais profissionais da educação básica passassem a ter, no presente século, potencializado o seu peso no movimento sindical e na luta democrática brasileira.

Não é por acaso que as lideranças mais expressivas de algumas das centrais sindicais sejam professoras; ou que um número também expressivo de parlamentares em todas as esferas do legislativo seja de professoras da educação básica.

Mas não é apenas por isso que as professoras da educação básica ganharam proeminência. A sua importância vai muito além disso. Nas principais manifestações políticas em defesa da democracia e dos direitos que tivemos nas últimas décadas coube às professoras da educação básica e suas organizações sindicais um papel central.

Presença dos corpos nas ruas, presença das suas organizações na luta, presença de seus recursos na manutenção das condições materiais e simbólicas necessárias à intervenção política; pessoas que articulam outras pessoas e movimentos nos rincões do Brasil. Assim tem sido a presença das professoras da educação básica na cena política brasileira contemporânea. O desconhecimento disso é grave erro político e analítico que, no entanto, tem acometido muitas das análises sobre o nosso tempo presente.

Desmonte da carreira e luta democrática

São poucas as pessoas e as análises que têm atentado para as graves consequências que as políticas de desmonte das carreiras das professoras e demais profissionais da educação básica pode ter na organização da luta democrática brasileira nos próximos anos.

Está ocorrendo a corrosão dos vínculos destas pessoas com o poder público, pela recusa dos Estados e municípios em realizar concursos, pela substituição dos entes públicos pelas fundações e empresas privadas na gestão das escolas e pela terceirização dos postos de trabalho. Enfraquecendo o movimento sindical dos professores e demais profissionais da educação básica e, com isso, o conjunto da resistência democrática.

Sabemos que o problema é muito mais amplo e se articula ao movimento geral de acumulação do capital transnacional, sobretudo financeiro, e às suas estratégias para minar toda e qualquer resistência à acumulação e concentração de riqueza. Não é por acaso que a primeira reforma proposta por Michel Temer após o golpe de 2016 tenha sido a trabalhista e um de seus objetivos o desmantelamento do movimento sindical.

Também não é por acaso o investimento econômico e simbólico na educação à distância e na Inteligência Artificial em educação, pois, afinal, robô ainda não oferece resistência aos comandos do capital.

Mas não nos esqueçamos que também não é por acaso o investimento dos movimentos de direita, financiados e organizados pelo grande capital, contra as professoras da educação básica e contra as formas de insubordinação às suas políticas perpetradas por essas profissionais.

Prestar a atenção no que ocorre no “chão da escola básica”, e não apenas para a partir daí construir “novas” e alvissareiras proposta político-pedagógica, ou para constatar que as “professorinhas” precisam de mais e melhores formações, é, pois, uma obrigação de toda análise que se ocupa a pensar o presente e o futuro do país.

Daquelas pessoas compromissadas com a causa democrática exige-se, hoje, demonstrações claras de solidariedade e cumplicidade com as professoras e demais profissionais da educação em suas lutas para impedir que os municípios e Estados brasileiros entreguem as escolas à administração das fundações e empresas privadas.

A questão é muito simples: assim como IA não reclama, trabalhadoras terceirizadas e com vínculos cada vez mais precários têm muito pouco poder de luta e resistência. Quebrar a espinha dorsal do movimento é um investimento transnacional do capital. Atentarmos para isso, analítica, política e solidariamente é um desafio que se impõe a todas as pessoas que ainda acreditam que é possível, como diz Ailton Krenak, “adiar o fim do mundo”.

Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo e doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)

P.S.: Artigo dedicado para Beatriz Cerqueira, Denise Romano, Diana Silva, Juvercina da Silva e M. Catarina Laborê – mulheres, professoras e sindicalistas admiráveis!

P.S. 2: Agradecimento especial ao profesor Alexandre Miranda (UFMG), pela interlocução que resultou neste texto e à professora Janete Lins (UFPE), pela lembrança da pesquisa do Instituto Ipsos.

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Leia outros artigos de Luciano Mendes de Faria Filho na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida