Minas Gerais

ENTREVISTA

Pré-candidata a prefeita, Bella Gonçalves quer superar a “pequena política” em BH

Para a deputada estadual, atual gestão não resolveu os principais problemas da cidade

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Bella Gonçalves é conhecida pela trajetória de luta em defesa do direito à cidade, das mulheres, da população LGBTI+ e da democracia. - Foto: Daniel Protzner/ ALMG

A deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL) foi oficializada por seu partido, no último domingo (3), como pré-candidata à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Cientista política de formação, ela também foi vereadora da capital mineira entre 2018 e 2022.

Com 35 anos, a pré-candidata é conhecida por uma longa trajetória de luta em defesa do direito à cidade, das mulheres, da população LGBTI+ e da democracia. Ela iniciou sua atuação política como militante das Brigadas Populares, organização que, entre outras pautas, luta por moradia para as populações mais vulneráveis.

Para saber quais são as expectativas de Bella Gonçalves com a corrida eleitoral do próximo ano, o Brasil de Fato MG entrevistou a deputada, que avalia que a atual gestão da prefeitura “não deu conta dos principais problemas da cidade”.

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“Eu acho que o principal problema da capital é que a pequena política, aquela das brigas mesquinhas e do loteamento de cargos, tomou conta das instituições e afastou a política das reais necessidades do povo. Queremos recuperar o brilho das pessoas e das iniciativas populares. Queremos trazer as pessoas para participar da política e, com isso, resgatar o brilho da cidade”, disse.

Entre as principais propostas de Bella, estão a implementação da tarifa zero no transporte público e a redução do déficit habitacional no município. A deputada também defende a unidade da esquerda diante da extrema direita e a retomada da participação popular na política da cidade.

Leia a entrevista completa:

Brasil de Fato MG – Como você avalia a atual gestão da Prefeitura de Belo Horizonte?

Bella Gonçalves – Avalio a atual gestão como fraca, sem novidade e sem dar conta dos principais problemas da cidade. Sobre o transporte público, por exemplo, a prefeitura deu um subsídio de R$ 500 milhões para as empresas de ônibus e não aconteceu nada, os ônibus continuam atrasando, sem melhorias concretas, e a passagem continua sendo uma das mais caras do Brasil. Ou seja, não se construiu nenhuma novidade política.

Existem respostas, como a tarifa zero, que estamos discutindo como proposta para Belo Horizonte. Nesse caso, existe um desenho econômico concreto construído pelos movimentos sociais e que eu também ajudei a construir.

Também é preciso lidar com as crises climáticas. Belo Horizonte não tem uma grande resposta para lidar com as enchentes e deslizamentos de terra, por exemplo. O município parou de investir na urbanização de vilas e favelas e não tem preservadas as áreas ambientais.

Aliás, precarizou o Plano Diretor, que foi aprovado na gestão de Alexandre Kalil (PSD). Tudo o que a gente avançou foi construído na gestão do Kalil, porque a atual não deu nenhuma resposta, nem para as ondas de calor, nem para as grandes chuvas. A cidade não está preparada para lidar com as mudanças climáticas, pensando na universalização do saneamento, na garantia de água na torneira de todo mundo, na proteção das áreas verdes e na defesa de um Plano Diretor que recupere os nossos cursos d'água. Essas são propostas defendemos há muito tempo.

Também não tivemos nenhuma novidade do ponto de vista econômico. Qual foi a saída depois da pandemia para a recuperação dos pequenos e grandes negócios na cidade? Nenhuma. A gente teve uma desistência completa desses setores, enquanto poderiam ter sido pensados bancos públicos de fomento ao microcrédito, por exemplo.

Mas, nada foi feito. E a cidade que não avança acaba andando para trás. A ausência de novidades políticas, de alternativas e políticas públicas de vanguarda na cidade, faz com que os problemas se acumulem e a gente tenha de fato um desmonte em Belo Horizonte.

Qual é a importância das eleições municipais de 2024?

As eleições de 2024 são decisivas para democracia brasileira. Estamos reconstruindo o Brasil, depois da eleição de Lula em 2022.  Será que a gente vai conseguir fazer com que esse avanço em nível nacional, de recuperação de uma política progressista, que combata as desigualdades, também se se configure nas eleições de prefeituras alinhadas com Lula?

Acho que 2024 vai dizer sobre isso e vai apontar um pouco sobre o futuro da política para o país, porque as novidades políticas mais importantes que a gente tem, como tarifa zero, reconstrução de programas de moradia popular, cidades mais seguras para as mulheres, isso tudo acontece nos municípios.

Na sua avaliação, como será a participação da extrema direita nas eleições de 2024?

Acho que a extrema direita vai vir de forma muito agressiva nas eleições de 2024, com o aumento da violência política e com a radicalização de pautas absurdas, que é o que fundamenta a ausência de projeto desse setor.

Eles vão tentar polarizar, e eu espero que não consigam despolitizar as eleições, como sempre fazem, afinal de contas, as pessoas precisam de respostas concretas sobre as suas vidas, precisam de moradia, precisam de comida no prato, precisam de vacina no braço.

A vitória de Lula foi uma vitória contra a extrema direita, a partir da discussão sobre a vida concreta das pessoas. Nos próximos anos, ainda temos que enfrentar a extrema direita e toda a sua raiva de ter perdido as últimas eleições. A extrema direita precisa ser definitivamente derrotada no Brasil e em 2024 nós vamos derrotá-la.

Então, as eleições municipais podem dar grandes passos para que a gente consiga ter gestões progressistas, que vão dar um passo além na reconstrução do Brasil, apontando para o futuro.

Mas há o risco de que a gente tenha uma rebordose do bolsonarismo e do atraso. Por isso, é preciso muita unidade, muita mobilização e muito engajamento de todas as pessoas na defesa da democracia e das políticas de combate à desigualdade.

Qual é o papel da unidade do campo democrático e popular para derrotar a extrema direita em BH?

Foi a unidade do campo democrático e popular que nos permitiu sobreviver a tantos anos de ataques, de desmontes, de política negacionista e de ódio. Foi a unidade desse campo, junto com a força de movimentos sociais, como o MST, que garantiram as mobilizações de rua em defesa da democracia. Foi também a unidade que conseguiu eleger Lula, derrotando Bolsonaro e trazendo novas esperanças para o Brasil.

Acho que essa unidade já está construída e precisa agora se expressar em um projeto de cidade, com muito diálogo, pouca vaidade e boas análises. A gente pode construir uma condição de estarmos no segundo turno das eleições aqui em Belo Horizonte e em várias cidades de Minas Gerais.

Agora é a hora de a gente ser consequente com a democracia e com o povo, que precisa ver a sua vida efetivamente melhorar, para que a extrema direita nunca mais retorne ao poder com suas pautas ideológicas, cortinas de fumaça, fundamentadas no medo, na desesperança e no ódio. Então vamos lutar até o fim por essa unidade.

Qual é a importância da participação das mulheres na política e na disputa eleitoral do ano que vem?

Não existe democracia sem as mulheres. Pensar em cidades mais seguras para as mulheres é também produzir mais políticas para as mulheres, o que com certeza se amplia, a partir do momento em que a gente tem mais vereadoras ocupando as casas legislativas. Hoje, as mulheres são apenas 15% dos parlamentos brasileiros.

Não é possível dizer que a gente tem uma democracia plena com essa taxa baixa de participação feminina. Nós precisamos ampliá-la e queremos pelo menos a metade das cadeiras ocupadas por mulheres, para que a gente de fato tenha representatividade nas câmaras municipais e no Executivo. Belo Horizonte é uma cidade com mais de 120 anos e nunca teve uma prefeita mulher. A gente conseguir eleger a primeira mulher prefeita de Belo Horizonte seria um avanço para a cidade, porque nós, mulheres, vamos saber cuidar de todo mundo.

A gente conhece os principais problemas da cidade, conhecemos as dificuldades no acesso a políticas públicas, que afetam sobretudo as mulheres. Você vai em um ponto de ônibus, quem é a maioria esperando o ônibus? São as mulheres. Quem são as mais afetadas pela ausência de saneamento básico? São as mulheres. Quem são as mais afetadas pelas ruas largadas, abandonadas, sujas e mal iluminadas? São as mulheres, que vão sofrer sem segurança.

Na sua avaliação, quais são os principais problemas econômicos e sociais enfrentados na capital mineira?

Acho que o principal problema da capital é que a pequena política, aquela das brigas mesquinhas e do loteamento de cargos, que tomou conta das instituições e afastou a política das reais necessidades do povo.

A consequência disso é o crescimento da fome da população em situação de rua, a não resolução do problema estrutural do transporte, a ausência de moradia e de intervenções em vilas e favelas, por exemplo. Em uma capital rica, como Belo Horizonte, estamos com gente sem água na torneira e com salários atrasados e não reajustados como deveriam, inclusive de servidores públicos.

Entendo que, para enfrentar tudo isso, a gente precisa colocar as necessidades do povo em primeiro lugar e atacar essa forma gananciosa, enfrentando a pobreza e a desigualdade social de verdade. Eu poderia citar muitos outros problemas. O retrato dessa política é a desigualdade, o aumento das pessoas em situação de rua, o abandono de uma política de creches em tempo integral para crianças da nossa cidade e muitos outros.

A ganância e a política pequena é o que estão fazendo Maceió afundar, por responsabilidade da Braskem, mas, também da prefeitura, que permitiu a mineração acontecer debaixo das casas e do solo da cidade. Em Belo Horizonte, não é diferente, estamos enfrentando as mineradoras que querem transformar a Serra do Curral em pó, ameaçando o abastecimento de água de todo o município e da região metropolitana.

Quais são suas principais propostas para a cidade?

Queremos recuperar a participação popular na construção das políticas públicas de Belo Horizonte. As mulheres periféricas, as mulheres em geral, os homens e todas as pessoas sabem o que são as reais necessidades da nossa cidade e é com muito diálogo e muita participação que vamos conseguir construir políticas de fato inovadoras.

Tenho alguns sonhos para Belo Horizonte, penso que é plenamente possível caminhar para zerar o déficit habitacional, com tantos vazios urbanos, garantindo em primeiro lugar moradia para população em situação de rua e dignidade para essas pessoas. Existem também as pessoas que estão tirando comida de dentro de casa para pagar o aluguel. Zerar o déficit habitacional, não é um desafio fácil, que a gente alcança em quatro anos. Mas, o primeiro passo tem que ser dado.

Além disso, a tarifa zero é extremamente viável para Belo Horizonte, baseada no financiamento de trabalhadores e de empresas que têm mais de 100 funcionários. Essa proposta é estratégica e precisa acontecer, para que o caos do transporte e do trânsito seja alterado.

Também precisamos recuperar políticas que garantam o bem-estar das mulheres, com creche em tempo integral, ginecologista em todos os postos de saúde, a melhoria dos postos de saúde, que passa também pelo reajuste salarial dos trabalhadores. Queremos ter “espaços coruja”, que são de cuidado com as crianças em período noturno para que as mulheres que trabalham durante a noite tenham condições de deixá-las em segurança.

Queremos construir uma cidade de fato atenta às questões climáticas e ambientais. A criação do Parque da Serra do Curral é um compromisso importantíssimo nosso, assim como a preservação das áreas verdes. Acabar com o desmatamento de Belo Horizonte é importante para enfrentar as enchentes que acontecem, ampliando a arborização da nossa cidade.

A principal coisa para mim é recuperar o investimento nas zonas periféricas da nossa cidade, que estão abandonadas. As áreas de interesse social correspondem a 8% do território municipal e nelas moram 20% da população. Imagina o que significa 20% da população ocupando só 8% do território e com menos de 1% do orçamento público...

É de fato assustadora a forma como o orçamento é desigual nas nossas cidades. Acho que gente é para brilhar e não para morrer de fome. Essa é a síntese do nosso projeto político. Nós queremos recuperar o brilho das pessoas e das iniciativas populares. Queremos trazer as pessoas para participar da política e, com isso, resgatar o brilho da cidade.

Edição: Larissa Costa