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Patos de Minas e Copasa: paz impossível, anulação de contrato improvável

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Foto panorâmica de Patos de Minas - Foto: Prefeitura de Patos de Minas/Divulgação
Rompimento de contrato entre Copasa e Patos de Minas não é viável

Para a compreensão da situação atual de Patos de Minas é precisao que saibamos que o prefeito, em uma espécie de ato publicitário de pré-campanha usou do instituto da encampação. O ato nada mais é do que um movimento unilateral administrativo do poder Executivo – com apoio do Legislativo – para retirada da Copasa do município. Ocorre que a escassez de fundamentos técnicos deve resultar em forte reação contrária.

A arquitetura do processo atual se deu da seguinte maneira. O prefeito enviou o projeto para a Câmara de Vereadores, dia 14 de dezembro de 2023, a poucos dias antes do recesso legislativo. A Câmara de Vereadores acolheu a proposta acreditando que seria apenas o início do questionamento das atitudes da Copasa, que levaria a um novo edital modelado para que a empresa saia do município e outra assuma. O objetivo era permitir ao prefeito dizer durante sua campanha de reeleição em 2024 que venceu a briga contra a Copasa.

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No entanto, tudo não passaria de encenação, uma figuração da competência na linha “promete e faz”. O interesse social pela temática é a base da motivação política do prefeito. Analisando com qual frequência a população de Patos de Minas procura por temas relacionadas a Copasa e Cemig verifica-se os dados abaixo:

– Procuras no Google (Trends) por COPASA Patos de Minas, DMAE Poços de Caldas, COPASA Ibirité, COPASA Divinopolis - Pesquisar - Google Trends

 

Os dados do trends acima, demonstram que:

. A população de Patos de Minas não alterou seu interesse com a temática Copasa mesmo com fatos novos como a encampação, inclusive com tal fator sequer incidindo como busca relevante.

. A população de Patos de Minas têm inclusive maior busca por Cemig que pela Copasa.

Abaixo foi realizado outro experimento metodológico baseado em análise de trends como comparativo, que também demonstram que a busca por Copasa em Patos de Minas não está fora dos padrões.

Seja quando comparamos cidades com o mesmo padrão de densidade populacional, número de habitantes e desenvolvimento econômico em 5 anos (Patos de Minas, 159.235 habitantes; Poços de Caldas, 163.742; Ibirité, 170.387; Divinópolis, 231.091). Com lapso temporal definido em 5 anos. Seja quando comparamos serviços diferentes de saneamento que não seja a Copasa, como o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) de Poços de Caldas.

Seja quando comparamos dois municípios onde há um eco histórico de reclamações e conflitos políticos com a Copasa, como Ibirité e Divinópolis.

Análise da Capacidade do Google Trends para Medir o Interesse em Temas de Conservação e o Papel das Notícias Online | PLOS UM

A procura pela Copasa em Patos de Minas está abaixo da média em comparação com as outras cidade, e muitas das buscas são pelo telefone da empresa e por segunda-via de contas (serviço online). Portanto, não há evidências tais como as discursadas pelo prefeito do amplo interesse social demonstrado em tais procuras.

A conclusão sobre a questão política, social e retórica da Copasa em Patos de Minas parece ter dois fatores primordiais: uma distorção promovida pela concentração de veículos midiáticos e páginas em redes sociais pontuais e de grupos políticos específicos, criando assim o efeito bubble. Em resumo: a alta frequência com que alguns veículos produzem informações sobre a Copasa sobre principalmente reclamações, falta da água e aumento da tarifa, cria na verdade uma determinada ilusão. Quando na verdade não está nem entre os principais tópicos de abordagem ou procura, conforme abaixo:

                                      

A temática pública e o interesse social em tarifas de energia e água também explica o quanto a Copasa pode ser um assunto abordado midiaticamente. O prefeito incorre em erro de viés ao adotar retórica contra a Copasa, acreditando que isso lhe renderá votos. Claro: pesquisas focais, qualitativas e metodologias específicas podem comprovar ou declinar tal tese formulada acima, pois são as ferramentas metodológicas adequadas a tal situação.

A qualidade do serviço prestado da Copasa em Patos de Minas e suas anormalidades possíveis também não encontram evidências baseadas em estatísticas públicas da ARSAE, e os diagnósticos contratados pela própria prefeitura de Patos de Minas, publicados em 2023 e realizado pela MYR Projetos Sustentáveis, pois aponta anormalidades graves.

Na análise econômica, o investimento per capita foi de R$ 133,36 em 2021, o que demonstra investimentos acima da média inclusive. A análise tendo em vista indicadores de saúde pública indica número de internações por doenças de veiculação hídrica bem abaixo da média de registros de internações totais, segundo o DATASUS / 2021. Os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) também demonstram resultados bem acima da média no saneamento:

Mais percalços

Há uma pedra no meio do caminho do prefeito, aliás, uma montanha: o montante inicial para se romper o contrato é de R$ 390 milhões de indenização a Copasa. Os investimentos recentes são de mais de R$ 20 milhões em investimentos totais (a preços de 2021) segundo o ITB / 2021.

Não bastasse o valor alto, também resta o óbvio: qual empresa privada iria indenizar tal valor, além de ter que realizar investimentos e ainda conseguir o deságio nas tarifas?

A resposta é simples: nenhuma. Afinal, o último leilão realizado sobre saneamento em Minas Gerais, no munícipio de Governador Valares, que é substancialmente 60% maior que Patos de Minas, foi de R$ 350 milhões, pela AEGEA. Detalhe é que tal leilão chegou a ser suspenso pelo TCE-MG. Anulações e a existência de “atipicidades” (para ser moderado) nestes processos têm sido constantes no Brasil. Exemplifico com a AEGEA. Nestes leilões ou em suas operações coleciona anulações e reclamações.

Outro caso foi o da privatização da CORSAN no Rio Grande do Sul, interrompido pelo TCE-RS. Ou mesmo no município de Ribeirão Preto onde Operação Sevandija condenou um grupo de 21 réus acusados em ação movida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a Polícia Federal, que desbaratou um dos maiores esquemas de desvio de recursos públicos do país, prendendo executivos de tal empresa e inclusive expondo como a relação entre dinheiro e saneamento pode ser espúria.

Mesmo que haja alinhamento político em torno da privatização de serviços de saneamento, como no caso da CORSAN (RS) com Eduardo Leite, ou no caso da Sabesp com Tarcísio de Freitas, podem surgir questionamentos judiciais de tais processos, seja por parte do Tribunal de Contas, Ministério Público, Comissão de Valores Imobiliários, Tribunal de Justiça dentre outros.

Além das questões econômico-financeiras e da ausência de detalhes técnicos do projeto, há outro impecilho: o rompimento de contrato se ampara em uma única normatividade o artigo 161 da Agência Nacional de Águas (ANA). Artigo esse que é questionável se aplica no caso desse contrato, e mesmo sua legitimidade jurídica.

Mediante a ausência de evidências sobre o êxito do processo, resta-nos outras duas questões: Zema e os outros acionistas da Copasa.

O atual prefeito, apesar de ter a esposa como base do governo Zema na ALMG, precisa encarar que se a gestão atual da Copasa está ruim é culpa de Zema, afinal, ele é que o mandatário maior.

Embaraços e contradições à parte, parece que o ocorre mesmo é uma espécie de vulgarização da técnica de se gravar vídeos estridentes por aí questionando os serviços públicos, em especial a Copasa. Como faz o senador mineiro Cleitinho, incorrendo na maior parte das vezes em sensacionalismo sem lastro na realidade. Mesmo que Zema quisesse abrir mão da concessão da Copasa em Patos de Minas ele tropeçaria nos demaiso: os investidores e acionistas minoritários.

A gestão da Copasa está toda ela comprometida com o princípio da maximização do valor do acionista, prova disso são os altíssimos dividendos repassados a eles. Tendo como pedra fundamental os investidores a empresa não irá querer perder uma concessão lucrativa e tendo realizado investimentos recentemente. Seria perder dinheiro a longo prazo, e é tudo que investidores não querem.

O rompimento de contrato entre Copasa e Patos de Minas não está no radar da empresa, que nem mesmo mencionou aos acionistas o fato do prefeito ter enviado um projeto de encampação para a Câmara de Vereadores da cidade. As concessões da Copasa mesmo com todo auê de alguns prefeitos e de Zema por privatizações, parecem ser um ativo seguro a ponto da própria BlackRock aumentar para o total de mais de 5% sua participação nas ações da empresa.

É esperada também a ampla participação de movimentos sociais, sindicatos – principalmente do Sindágua-MG e de diversos outros ativistas, acadêmicos e técnicos no debate de tal processo. Inclusive para acalentar, amparar e defender os 128 trabalhadores da empresa que estão no município.

 

Lucas Tonaco é secretário de Comunicação da FNU e dirigente do Sindágua-MG

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Leia outros artigos da coluna Saneamento é Básico no Brasil de Fato MG.

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Elis Almeida