Minas Gerais

ENTREVISTA

“A população é a mais prejudicada”, diz autor de livro sobre terceirizações na Cemig

Em “Entre fios e desafios”, Igor Figueiredo explica os impactos da terceirização e da privatização do setor energético

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Atualmente, a Cemig possui mais trabalhadores terceirizados do que profissionais do quadro próprio - Foto: Guilherme Dardanhan/ ALMG

Trabalhadores superexplorados e população desassistida. Para o autor do livro “Entre fios e desafios” Igor Figueiredo, essas são duas das consequências diretas do aumento da terceirização da força de trabalho na Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). 

A pesquisa, que é fruto de mais de uma década de estudos sobre a realidade na empresa, contou com acompanhamento intenso do dia-a-dia dos trabalhadores. No livro, o autor, que também é doutor em Ciências Sociais, relata que a precarização das formas de trabalho provocou, por exemplo, o surgimento de uma “legião de mutilados”, trabalhadores terceirizados que são cotidianamente vitimados por acidentes.

“A principal descoberta da pesquisa é a confirmação da tendência à precarização das relações de trabalho terceirizadas. Demonstro, por exemplo, que há mais mortes de trabalhadores terceirizados do que dos trabalhadores do quadro próprio”, afirma. 

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Atualmente, a Cemig possui mais trabalhadores terceirizados do que profissionais do quadro próprio. O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro/MG) estima que, ao todo, sejam 23 mil terceirizados e menos de 5 mil do quadro próprio.

Além disso, Igor Figueiredo destaca que a ampliação da terceirização está diretamente relacionada à tentativa de privatização do setor energético em Minas Gerais, tendência que, na avaliação do autor, vai na contramão do que tem acontecido ao redor do mundo. 

“No geral, a privatização leva à precarização do serviço, ao aumento de tarifa e à precariedade das condições dos trabalhadores. Há um aumento de trabalhadores contratados, instáveis e terceirizados, que dificulta o bom serviço prestado para a população. A população sempre é prejudicada”, avalia. 

Para compreender um pouco mais sobre essa realidade, o Brasil de Fato MG entrevistou Igor Figueiredo.

Leia a entrevista completa:

Brasil de Fato MG - O que te motivou a investigar o processo de terceirização na Cemig?

Igor Figueiredo - Minha trajetória com o tema da terceirização começou ainda no ano de 2006, quando eu fui estagiário de jornalismo no Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro/MG), que é o principal sindicato que representa os trabalhadores da Cemig. 

No sindicato, eu tinha a tarefa de fazer um jornal específico sobre os trabalhadores terceirizados e comecei a me interessar sobre o tema. Eu também era próximo a estudos críticos e do mundo trabalho, além dos movimentos sociais e sindicais. 

Em 2009, comecei uma especialização em economia do trabalho, no Instituto de Economia da Unicamp, e depois, já no mestrado, meu projeto era sobre as dimensões do trabalho terceirizado na Cemig. 

Então, esse projeto nasceu ainda na primeira década dos anos 2000 e se concluiu com a defesa do mestrado em 2015. Depois da pandemia, resolvi reformular e revisar algumas coisas, e voltei a trabalhar no livro. 

O nome “Entre Fios e Desafios” é bastante significativo para entender a complexidade que é o problema da terceirização. Além disso, o subtítulo “terceirização e degradação do trabalho na Cemig” já diz um pouco sobre os impactos na empresa. 

Quais foram as principais descobertas da pesquisa?

Inicialmente, eu fiz um trabalho aprofundado de campo, no qual acompanhei trabalhadores de uma forma muito intensa. No primeiro capítulo do livro, eu falo sobre o cotidiano e a jornada dos trabalhadores, de forma bem descritiva, como uma narrativa sociológica ou antropológica do trabalho. Falo sobre o dia-a-dia, desde a vida pessoal e o deslocamento, até os desdobramentos de uma jornada exaustiva de trabalho.

Falo sobre as inseguranças no cotidiano dos trabalhadores terceirizados. Eu mostro, por exemplo, o número de acidentes na companhia, de 1999 a 2013, que demonstra a existência de uma “legião de mutilados”. Outro dado interessante é a grande presença da juventude, com o primeiro emprego, e a prática do assédio moral como tática de isolamento e dominação dos trabalhadores. 

O livro também conta um pouco sobre a história da Cemig, desde o governo de Juscelino Kubitschek. Também contextualizo a empresa dentro do processo de reestruturação produtiva do capital, sobretudo a partir de meados dos anos 70.

Outro aspecto que abordo é a resistência. Sempre, a opressão é seguida de uma reação e há resistência, que pode ser mais ou menos frágil, mas é sempre resistência. São vários os episódios de paralisação, de greve e debates sindicais, como parte das lutas contra a terceirização. Também falo sobre a Justiça, que no Brasil contemporâneo é uma das grandes frentes de luta contra a terceirização. 

Crise do capitalismo, neoliberalismo e a lógica da precarização do trabalho estão relacionados

O livro também apresenta uma caracterização sobre o sistema capitalista, relacionando a crise do capitalismo, o neoliberalismo e a lógica da precarização do trabalho dentro do estudo de caso sobre os eletricitários da Cemig. 

Acredito que a principal descoberta da pesquisa é a confirmação da tendência à precarização das relações de trabalho terceirizadas. Comparativamente, demonstro, por exemplo, que há mais mortes de trabalhadores terceirizados do que dos trabalhadores do quadro próprio.

Quais são as principais atividades que antes eram desempenhadas por funcionários da empresa e hoje é desempenhada por terceirizados?

A Cemig se divide em várias áreas, com várias subsidiárias, e uma das preocupações da pesquisa foi compreender como tem se dado, ao longo do tempo, a troca de trabalhadores do quadro próprio para prestadores de serviços. Eu analiso mais de perto as funções de eletricista de linhas e de redes, além de leituristas. Para mim, essas são funções vitais, que inclusive estão mais próximas da população. 

Quando a gente liga para falar de uma conta, para pedir o religamento ou a interrupção da energia, por exemplo, são com esses trabalhadores que temos mais contato, é quem lida com o usuário domiciliar. 

A ampliação da terceirização nessas funções acarreta uma série de problemas, que repercutem na esfera pública, na economia, na saúde e na segurança dos trabalhadores. Eu apresento, por exemplo, um gráfico sobre quantas vezes a energia ficou interrompida no último período.

Qual a relação entre a terceirização e as tentativas de privatização do setor energético em Minas? Como os trabalhadores e os movimentos sociais devem se portar para reverter esse cenário?

A terceirização tem relação direta com a privatização do setor e traz um conjunto de impactos negativos para a população. Um exemplo recente é a situação da Enel em São Paulo, que após ser privatizada deixou a população sem energia por períodos de quase um mês. 

O que acontece em São Paulo deve ser para Minas Gerais e para o Brasil um exemplo pedagógico do que é um serviço privatizado, mal prestado e caro. É preciso, a partir da ciência, construir uma grande resistência a esse espírito privatizante do governo de Minas.

A privatização de bens essenciais, como água e energia, é um contra-senso, já que a tendência mundial é de reestatização, como tem acontecido na França e na Alemanha, demonstrando que não deu certo nos países de capitalismo avançado. No Brasil, é como se existisse um atraso de pensamento, que prioriza as demandas do mercado e os interesses do capital de tentar privatizar de forma ainda mais brusca e generalizada os bens públicos. 

Privatização leva à precarização do serviço e ao aumento de tarifa

No geral, a privatização leva à precarização do serviço, ao aumento de tarifa e à precariedade das condições dos trabalhadores. Há um aumento de trabalhadores contratados, instáveis e terceirizados, que dificulta prestar um bom serviço. A população sempre é prejudicada. 

Como nos ensina Karl Marx, capital tem o instinto vampiresco inexorável de querer tudo, não existe benevolência. Nesse sentido, é preciso criar resistência dos trabalhadores, dos movimentos sociais e da população em geral, para que haja consciência sobre os danos e os efeitos que a privatização.

Adquira o livro

Publicado pela “Clube de autores”, as versões impressa e ebook do livro “Entre fios e desafios: terceirização e degradação do trabalho na Cemig ” pode ser adquirido no site da editora. 

 


 

Edição: Elis Almeida