Minas Gerais

Coluna

Situação fiscal de Minas Gerais é caótica: dívida explodiu, receita encolheu, Estado faliu

Imagem de perfil do Colunistaesd
Imagem - Gil Leonardi / Imprensa MG
Receita teve perdas reais em 2023 superior a 4%

O governo Romeu Zema divulgou recentemente o Relatório de Gestão Fiscal (RGF) de 2023 em que confirma, mais uma vez, que o estado de Minas Gerais está falido.

A dívida disparou no governo do Partido Novo, saltando de R$ 113,818 bilhões em 2018 para R$ 174,037 bilhões em 2023. As receitas estaduais estagnaram em termos nominais e recuaram em termos reais. Os gastos de pessoal estouraram os limites da Lei Fiscal, mesmo com todo o arrocho salarial.

Mas o governo Romeu Zema insiste na política de enganar os mineiros e mineiras afirmando que nosso Estado está, há dois anos, em equilíbrio fiscal, como noticia na página da Secretaria da Fazenda.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui :: 

Romeu Zema trocou dívida com municípios e servidores pela dívida com o governo federal, que está em “moratória judicial”

O governador se gaba de ter colocado em dia os pagamentos dos servidores. Se gaba também de ter regularizado os repasses aos municípios, de ICMS, IPVA e Fundeb. Apesar de obrigatórios, os referidos repasses deixaram de ser feitos num passado recente e, por isso, as prefeituras conviveram com incertezas e caixas negativos.

Mas Romeu Zema, se fosse um governador sério, deveria também “comemorar” o marco de cinco anos sem pagar nada da enorme dívida com o governo federal. Veja só: com Romeu Zema, a dívida de Minas Gerais “explodiu”. Veja a tabela um.

A dívida de Minas Gerais cresceu tanto porque tudo o que não foi pago pelo governo Romeu Zema, em cinco anos, com a moratória judicial (próximo de R$ 40 bilhões), foi incorporado ao principal da dívida. E mais: a moratória judicial é até mesmo para empréstimos internos e externos do governo de Minas realizados com aval do governo federal, que somaram, segundo notícias da imprensa, o total de R$ 3,5 bilhões em 2023.

Portanto, a situação fiscal de Minas Gerais continua caótica, nosso Estado está falido. Romeu Zema, portanto, apenas trocou, com sobra, a dívida com os servidores e com os municípios com mais dívida com o governo federal.

Considero a dívida de Minas Gerais impagável, mas o governador não pode mentir para a população que saneou as finanças do Estado. O governador aproveitou uma “janela de oportunidade” com a “moratória judicial” do STF. Ao não aprovar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), Romeu Zema não conseguiu privatizar estatais, por exemplo.

Mas sem o RRF não precisou voltar a pagar a dívida, com o retorno gradual do pagamento de 11% por ano. Agora no quinto ano, Romeu Zema já estaria pagando 55% dos juros e amortizações, algo próximo a R$ 6 bilhões anual.

De fato, a oposição obteve uma vitória ao bloquear a adesão de Minas Gerais ao RRF de Bolsonaro, mas Romeu Zema também ganhou fôlego com mais recursos no caixa estadual, o que explica a aprovação ainda elevada do governador da ordem de 65% da população.

Receita de Minas Gerais estagnou em termos nominais e teve queda em termos reais. Gastos de pessoal furaram os limites da lei fiscal mesmo com todo o arrocho salarial

Veja a tabela dois, que resume dois outros grandes problemas de Minas Gerais: a fragilidade das receitas estaduais e o arrocho salarial sem fim, que enfraquece enormemente os serviços públicos.

Romeu Zema fez um violento ajuste inflacionário das despesas de pessoal de 2019 a 2022. Neste período, a receita subiu 62% e os gastos de pessoal do Poder executivo subiram apenas 19,25%, com isso as despesas de pessoal recuaram de 66,65% da receita, em 2018, para 48,44%, em 2022, dentro dos limites, portanto, da Lei Fiscal de 49%.

Mas as receitas, como indica a tabela, perderam força nos dois últimos anos, com o populismo fiscal de Bolsonaro, que fez uma forte redução do ICMS, a partir da metade de 2022 e todo o ano de 2023.

Com o impacto da redução do ICMS, mesmo com o bom crescimento da economia, a receita de Minas passou de R$ 91,403 bilhões para apenas R$ 91,978 bilhões, um pequeno aumento abaixo da inflação e com perdas reais no ano superior a 4%.

Com isso, as despesas de pessoal, mesmo com todo o arrocho salarial, furaram o teto da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 49%, e atingiram 51,37% da receita corrente líquida, bem acima do limite prudencial de 46,55%, o que indica a continuidade do arrocho sem fim dos servidores estaduais.

A resolução do problema da dívida estadual não resolve o problema grave do arrocho aos servidores. Os gastos de pessoal não são uma proporção da dívida, mas das receitas estaduais. O pagamento da impagável dívida mineira piora a situação dos servidores, com atrasos de pagamentos, por exemplo. Mas o arrocho dos servidores não terá fim sem uma recomposição forte da frágil receita estadual.

Isso deve servir de alerta para a esquerda mineira, partidos e movimentos sociais. Não tem como compatibilizar a recusa de aumento da receita com mais salários para os servidores. Receita menor, seja através da redução de alíquotas como fez Bolsonaro ou através de isenções fiscais, terá como consequência também salários mais arrochados.

Veja um diagnóstico sintético da falência de Minas Gerais

Em uma pequena síntese, os principais problemas financeiros de nosso Estado:

a) Minas Gerais, como um estado exportador, foi duramente afetado pela Lei Kandir, que acabou com o ICMS sobre exportações; e, mais recentemente, com a Lei que fez uma violenta redução no ICMS dos Estados.

Minas Gerais é o terceiro Estado no PIB; é o nono no PIB per capita, mas na receita per capita (receita total do estado dividida pela população) ocupa tão somente a 19ª colocação, próximo aos estados mais pobres do Nordeste.

b) Romeu Zema não saneou o Estado; ele conseguiu colocar em dia os salários dos servidores e os repasses aos municípios porque contou com uma moratória judicial, garantida por uma liminar do STF, o que elevou a dívida estadual de R$ 113,818 bilhões para R$ 174,037 bilhões e caminha, ainda neste governo, para ultrapassar a marca de R$ 200 bilhões.

Na verdade, como vimos, o governador trocou a dívida com servidores e municípios pela dívida com o governo federal.

c) Como as receitas do Estado são muito frágeis, como vimos, é difícil, mesmo com todo o arrocho salarial, manter as despesas de pessoal do Estado nos limites da Lei Fiscal. E uma bomba fiscal: exigência de capitalização da previdência cria um “passivo atuarial” de R$ 700 bilhões.

d) O Estado não tem recursos para investimentos porque não tem margem de endividamento e o pouco que investe é com recursos das tragédias da Vale em Minas. O problema maior é que governadores de direita de Minas Gerais (Aécio Neves e agora Romeu Zema) tiveram e tem ambições nacionais à presidência da República sem que tenham resolvido as questões básicas do Estado, em especial a arrumação das finanças públicas.

Daí porque sempre assumiram uma postura de competição com os governos nacionais do PT, em vez de adotarem uma estratégia de forma “cooperada e respeitosa”. No passado, Aécio Neves e, agora, Romeu Zema, têm um desinteresse inacreditável com os investimentos dos governos do PT em obras e programas sociais para nosso Estado.

Isso porque se os avanços podem ajudar a Minas e aos mineiros, de outro lado, gera um apoio dos mineiros aos governos petistas, o que enfraquece a oposição.

É muita pretensão, praticamente inviável, um estado quebrado, como Minas Gerais, querer liderar o Brasil.

 

José Prata de Araújo é economista e especialista em direitos sociais.

---

Leia outros artigos de José Prata de Araújo em sua coluna no Brasil de Fato MG

---

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida