Minas Gerais

Coluna

Onde eu estava há 40 anos, quando o MST foi fundado, e onde estou hoje

Imagem de perfil do Colunistaesd
"A rua ainda é nossa bandeira principal. E eu vejo essa gana de ir às ruas na militância do MST, de ir onde a luta se faz necessária." - Foto: Brenda Baleiro/ MST
Parabéns MST, vida longa a esta gente que sabe o que quer

Eu estava na faculdade de comunicação, trabalhava na primeira escola alternativa de BH, o Picapau amarelo, uma cooperativa educacional que fazia educação com integração de classe. Escrevia poesia e era uma jovem católica da Juventude Operária Cristã (JOC).  Participava de um Grupo de Jovens chamado Lutamos Unidos pelo Amor de Cristo (LUPAC), era militante da CUT e do PT.

Era um cenário de lutas intensas contra o regime militar que só sabia oprimir e reprimir. Em nosso país ainda não havia democracia plena, ainda sairíamos as ruas por Diretas Já!!!

Foi nesse cenário que surgiu o MST, quando trabalhadores rurais no 1º Encontro Nacional em Cascavel, fundam o movimento por terra, reforma agrária, democracia e mudanças sociais.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui :: 

Aqui da cidade sabíamos a importância da luta do movimento, lembro-me dos botons, adesivos e manifestações públicas onde sempre estava o MST. Nós negras e negros nunca tivemos terra, mas tivemos Palmares e vários outros quilombos e espaços de resistência e luta.

Talvez por isso, me sinto tão próxima do movimento. Um movimento que não se aquieta, não se acomoda e nem se vende às ilusões capitalistas. O MST me traz muito de Guimarães Rosa, quando nos diz que “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

E é essa coragem que vejo nos olhos e nas faces dos militantes do MST. Uma ousadia que não cabe em qualquer lugar a não ser nas ruas e nas terras ocupadas para nela produzir.

Falam de forma apaixonada, sobre a importância da reforma agrária e do direito a terra para quem nela produz. E produz coisas boas, gostosas e essenciais a vida com saúde e dignidade. Alimento saudável que poderia ser mais barato se o sistema político desse país investisse mais. Se esse investimento a fábrica de comida com veneno, que é o agronegócio se torna a principal forma de adquirir comida nesse país. Comida que mata lentamente e com autorização do Estado brasileiro.

Mas voltemos ao MST e sua organização que não vê fronteiras e vai aonde precisa ir para ajudar a construir alternativas alimentares saudáveis, tendo para isso as brigadas. Sua proposta de sociedade é uma proposta diferente de tudo o que está aí.

Não acreditam na conciliação das classes, pois no capitalismo sempre haverá quem não tem o que comer, onde morar, trabalhar e estudar. Por medo do MST e seus ideais, os setores que têm a barriga cheia, moram bem, não precisam trabalhar para comer e tem a educação nas mãos investem tanto nas práticas fascistas e na disseminação do ódio.

A rua ainda é nossa bandeira principal

A radicalização da luta popular e da organização das massas se faz, portanto, nesses 40 anos do MST, mais importante e necessária talvez, do que foi em 1984. Por que hoje vivemos o mundo tecnológico, onde as pessoas não tem mais pudor em disseminar seus preconceitos, destruir a natureza e naturalizar a violência. Em 1984, lutávamos por uma questão comum que inclusive interessava a classe média: o fim da ditadura militar.

O que vemos hoje é a inversão do comum, quando vimos setores da classe média, por puro ódio, pedir a volta da ditadura militar.

Por estas e outras é que organizações como o MST são tão necessárias. Ainda não dá para colocarmos as redes de descanso nos assentamentos e só comer o saudável que ali é produzido. A rua ainda é nossa bandeira principal. E eu vejo essa gana de ir às ruas na militância do MST, de ir onde a luta se faz necessária sem se prender em fronteiras, sejam elas quaisquer que se apresentem.

E é exatamente esta busca por mudanças radicais, que podem transformar nossas vidas que me faz tão próxima desta gente.

Uma gente que se não fosse tudo isso, que já é muito e motivador para quem gosta de lutar, ainda cuida da casa de meus ancestrais. Cuidam da terra, do plantio, da alimentação saudável e eu sou uma mulher de tradição. Eu acredito e busco o melhor para alimentar meu sagrado, a comida que cozinharei e irei oferecer a meus ancestrais tem que ser a melhor possível, tem que ser saudáveis.

A comida que ofereço a minha ancestralidade não pode ter veneno. A terra tem que estar bem cuidada, revigorada para produzir o melhor e quem é que melhor cuida da morada de quem me mantém viva, acesa e pronta pra luta?? Meus amigos do MST.

Por isso, tiro para vocês o meu chapéu e lhes ofereço minha eterna gratidão por cuidarem tão bem de mim. Quem ama os meus, a mim ama!!!

Parabéns MST, vida longa a esta gente tão brava e que sabe o que quer!!!

 

Makota Celinha Gonçalves é jornalista, empreendedora social da Rede Ashoka e coordenadora geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB)

---
Leia outros artigos de Makota Celinha em sua coluna no Brasil de Fato MG

---
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida