Minas Gerais

Coluna

Quem ganha e quem perde com os grandes projetos urbanos?

Créditos - Divino Advincula/PBH
É o poder público e os cidadãos que devem definir o futuro das cidades

Embora exista muita crítica em relação aos grandes projetos urbanos, isso não impede que eles ganhem cada vez mais espaço no planejamento de nossas cidades. A história é sempre a mesma: os problemas urbanos são negligenciados anos a fio e, quando interessa a determinados grupos, todas as fichas são colocadas em alguma obra monumental.

No lugar de ações continuadas, gestão transparente e conservação da estrutura urbana existente, o que se observa são megaprojetos de infraestrutura, equipamentos públicos ou operações urbanas. Geralmente, são projetos caros, elaborados às pressas e para atender demandas mal calculadas. Depois de prontos, quase ninguém menciona os prejuízos, impactos ambientais, indícios de superfaturamento, decisões nada democráticas e, sobretudo, maior presença de grupos privados em setores decisórios da política urbana.

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Casos concretos

Vejam o exemplo da Linha Verde em Minas Gerais: em 2003, o governo estadual disse que faria a conexão entre Belo Horizonte e o Aeroporto de Confins por R$ 270 milhões, mas acabou investindo R$ 508 milhões, quase o dobro do previsto. Esse aumento de investimento só foi possível porque o projeto tinha alta visibilidade política e apoio dos gigantes da construção civil. Foi um processo marcado por contratos abandonados, contratações emergenciais, alto custo com desapropriações e muito prejuízo para os cofres públicos. Os maiores beneficiados foram as empreiteiras e os grupos privados que lucram com o aumento do preço da terra, lançamento de novos empreendimentos e novas parcerias na construção de outros projetos.

Outro exemplo é a ampliação do Aeroporto de Confins. Em 2007, o governo de Minas contratou por R$ 5 milhões uma empresa de consultoria para elaborar o plano de ampliação. Esse plano foi utilizado para solicitar um investimento público de R$ 342 milhões em 2010. A partir desse momento, uma série de contratos foi assinada, tornando a parceria bem mais atrativa aos olhos dos investidores privados. Em dezembro de 2013, o aeroporto foi a leilão.

Não estamos dizendo que as obras foram desnecessárias ou que estaríamos melhor sem elas. Mas alertando ao fato de que elas reproduzem um problema recorrente: repetem o discurso de que a parceria com investidores privados é fundamental para viabilizar esse tipo de projeto, sempre com o argumento de que o Estado está falido. Nessa etapa, é raro algum investidor se interessar. Em seguida, pressionado por agentes privados nos setores decisórios, o Estado anuncia um grande investimento público que, aí sim, atrai parceiros privados que ganham muito com o projeto da vez.

Rodoanel: o projeto da vez

É provável que algo parecido aconteça no projeto do Rodoanel. O acordo de R$ 37 bilhões para reparar danos do rompimento da barragem de Brumadinho está sendo parcialmente direcionado para custear a obra. Embora nunca tenha conseguido viabilidade por meio de parceria com investidores privados, a participação de agentes econômicos nos setores decisórios desse processo é escancarada. 

Um dos articuladores do acordo é o Movimento Brasil Competitivo, grupo de empresários que defende um “Pacto para a reforma do Estado”. O processo é pouco transparente: falta acesso aos números relativos à concessão, os impactos são minimizados e o governo mudou a legislação para facilitar as desapropriações e o licenciamento ambiental. Do modo como está sendo conduzido, o Rodoanel, além de não dialogar com o planejamento metropolitano e causar impactos irreversíveis, tende a beneficiar um pequeno grupo de investidores privados e políticos de situação.

Diante disso, precisamos rever o fascínio com os grandes projetos urbanos e revalorizar as ações continuadas de planejamento, as formas democráticas de acesso à política urbana e a definição de prioridades de curto, médio e longo prazo. É o poder público e os cidadãos que devem definir o futuro das cidades, e não o ganho imediato de alguns grupos privados e seu poder de influência sobre o governo.


 

Daniel Freitas é professor da Escola de Arquitetura da UFMG, pesquisador do Núcleo de Belo Horizonte do Observatório das Metrópoles.

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Leonardo Fernandes