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Carnaval de rua em BH seguirá expandindo. Que lições tirar de 2024?

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Imagem - Júlia Lanari/PBH
Florescimento da diversidade depende do combate às desigualdades

Em colaboração com Rodrigo Castriota

Nas semanas que antecederam o carnaval de 2024, inúmeros jornais brasileiros e até do exterior traziam manchetes e matérias que colocavam o carnaval de Belo Horizonte como um novo destino dos foliões. E antecipavam que o público carnavalesco da cidade poderia alcançar 5,5 milhões de pessoas.

Quem viveu o carnaval de BH neste ano viu uma cidade cheia e povoada de diversidade. As planilhas informais que registravam os blocos, com data, local e horário dos desfiles, chegaram a apontar mais de 500 agremiações, de todos os tipos e tamanhos.

Esse relativo "estouro" na mídia negligencia a versão de que o carnaval de BH teria nascido em 2009, a partir das movimentações pelo "Fora Lacerda", sobretudo da "Praia da Estação", o que lhe conferiria essencialmente a identidade de um carnaval político.

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Por sua vez, essas duas perspectivas divergem ainda de outra história, que mostra que o carnaval sempre existiu em BH, isto é, que a festa popular remonta ao início do século XX na cidade, com forte identidade associada aos chamados Blocos Caricatos.

Esse debate, que muito nos interessa e merece ser mais explorado e estudado, ficará para outro momento, pois nosso intuito com esse breve texto é refletir sobre os impactos de um carnaval em expansão sobre a cidade; a dinâmica do carnaval em si; e a política da festa - e quais as eventuais implicações em termos de políticas públicas.

No que tange à cidade, o principal destaque é a necessidade de um planejamento que dê conta de abrigar a grande quantidade de blocos e de foliões, na sua diversidade. Sabe-se que há alguns anos a Belotur realiza uma pesquisa junto aos blocos e tem hoje um mapeamento qualificado das dimensões e das características da festa popular. Tornar isso a base para uma ação planejada de serviços públicos parece ser o principal desafio, com destaque para o transporte público, que se mostrou longe de dar conta das demandas das pessoas por transitar pela cidade no carnaval.

A territorialização pode ser um caminho frutífero para esse planejamento para a ação, considerando que o carnaval alcançou as nove regionais da cidade e que vários dos serviços já são regionalizados. O cadastro dos ambulantes, por exemplo, pode ocorrer por regional, com liberdade para que se desloquem por toda a cidade, haja vista que a maior parte dos blocos está na região central.

É também possível e necessário que a PBH compartilhe informações com os ambulantes previamente, informando-lhes da programação prevista para cada regional.

Algo similar pode ser pensado para os banheiros públicos, que certamente foram insuficientes para a demanda e cuja distribuição regional era nitidamente desigual - o que em parte reflete o maior contingente de foliões no hipercentro da cidade.

Dilemas de uma festa em expansão

No que tange ao carnaval em si, um dos principais dilemas de uma festa em expansão tem a ver com o compartilhamento dos espaços e com a forma como, na prática, convivemos com a diversidade. Tais pontos são reveladores da desigualdade mais geral que caracteriza a cidade e precisam estar no centro da ação política, pois, como propõe a perspectiva do bem viver, o florescimento da diversidade depende do combate às desigualdades.

Considerar que carnaval é tempo e lugar de liberdades, de extravagâncias e de experimentações, implica conviver com tudo isso - com os incômodos que a diversidade acarreta e com as injustiças e violências que acompanham não o que é diverso, mas o que é desigual em termos econômicos e políticos.

O carnaval reúne homens, mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, brancas e pretas, foliões e trabalhadores, ambulantes, servidores da SLU e tantos outros. Há blocos que separam e segregam, e há outros que unem e congregam. A troca nem sempre ocorre, nunca é plena, mas pode ser buscada, construída - e isso leva tempo.

Nesse sentido, as várias temporalidades do carnaval de BH podem configurar um outro elemento de tensão no âmbito da política. Sobre o que toca a nossa geração, para quem já vive e faz o carnaval desde pelo menos o fim dos anos 2000, o desconhecimento dos novos foliões com a história política e com os esforços de ocupar a cidade e de derrubar as cercas e catracas, soa para muitos como descompromisso, desqualifica a presença dos "novos" nesse lugar que já estava ocupado - o que, em parte pode ser verdade.

Mas também é certo que muitos desses novos foliões são moradores justamente das periferias que se busca aproximar. Antes, nos tempos dos bloquinhos exclusivos, pequenos, a informação não chegava. Agora, no entanto, com o carnaval grande, há mais divulgação sobre os blocos, seja pela via da TV e das rádios, das redes sociais e também dos poderes públicos.

Diante desses e de outros dilemas de um carnaval em expansão, permanece o desejo de promover a transformação pela via do encontro, ou melhor, dos encontros. O desejo de amplificar as culturas, de ampliar as liberdades e experimentações e de que essa possibilidade seja para todas as pessoas.

 

Luiza Dulci é economista e doutora em sociologia. Constrói o Movimento Bem Viver MG e integra a rede de jovens economistas "Desajuste – Economia Fora da Curva".

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Leia outros artigos de Luiza Dulci em sua coluna no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida