Minas Gerais

IMPACTOS

Plano de substituição de veículos de tração animal, em BH, ameaça modo de vida de carroceiros

Transição pode afetar financeira e psicologicamente os trabalhadores, apontam especialistas

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Carroceiros têm direito à consulta prévia, livre e informada, prevista pela convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - Foto: PBH/ Divulgação

Um plano de substituição dos veículos de tração animal foi apresentado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), para lidar com o fim da atividade dos carroceiros na cidade, que estará proibida a partir do dia 22 de janeiro de 2026. 

No documento, divulgado no dia 22 de fevereiro, a PBH cita dois eixos principais: a qualificação profissional dos carroceiros e o bem-estar dos animais. O texto prevê a criação de cursos profissionalizantes, auxílio na busca por emprego e na retirada de carteira de motorista e aulas de informática. 

Para Maxwell Moreira Pio, carroceiro da região do Barreiro, o plano pode afetar negativamente uma comunidade inteira, tanto financeira, quanto psicologicamente, já que deve alterar “um jeito de se viver e uma cultura”. 

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

“Isso é uma ditadura que a prefeitura, os vereadores e os ativistas querem implantar na comunidade carroceira, afetando ciganos, quilombolas e vários outros”, denuncia. 

Ele acredita que há interesses econômicos por trás do plano e cita os desafios impostos pela decisão, que pode acometer os animais com privação de liberdade. 

“Um cavalo não pode ficar preso. Ele tem que andar, tem que esticar as pernas. Estão pouco ligando para os animais. Estão a fim mesmo de destruir a comunidade”, reitera. 

Segundo a PBH, os animais vão passar por um processo de vacinação, microchipagem e encaminhamento para adoção, caso os proprietários não queiram permanecer com eles. O estudo está previsto para ser concluído até junho deste ano. 

Inconstitucionalidade 

Emmanuel Duarte Almada, professor do departamento de ciências biológicas da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), reforça que os carroceiros veem o plano com desconfiança porque não foi construído em diálogo. 

Segundo ele, a proibição das carroças fere o direito dos carroceiros, que têm direito à consulta prévia, livre e informada, prevista pela convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Os carroceiros de Belo Horizonte e região metropolitana se reconhecem como comunidade tradicional, então a gente entende que a própria lei incorre numa inconstitucionalidade”, afirma. 

Planejamento insuficiente  

A PBH informou que o plano terá uma série de ações de capacitação profissional para criar alternativas de trabalho e renda para os carroceiros. No entanto, Emmanuel acredita que o planejamento é insuficiente. 

“A gente precisa esclarecer que carroceiro é um modo de vida. Embora seja constituído a partir da relação de trabalho entre humanos e animais, não se resume à dimensão da profissão ou do ofício”, pondera. “A luta dos carroceiros não se resume à garantia de uma fonte de renda, mas ao seu direito inalienável de manter o seu modo de vida”, observa. 

Para ele, não há possibilidade de transição dos carroceiros para outras atividades, uma vez que alguns deles estão há cerca de 30 a 50 anos no trabalho com carroças. 

É o caso de Darli Rezende Figueiredo, de 47 anos, carroceira da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que transita entre a capital mineira e o município de Contagem. Ela cita o receio de perder seu modo de vida e começar a passar necessidade financeira. 

“Na idade que eu estou, sem estudo e sem nada, eu não tenho condições de trabalhar de outra coisa. Crio duas netas, como que eu vou sustentar elas assim? Eu não vou poder trabalhar mais com isso que eles estão fazendo”, lamenta. 

Outro lado 

Procurada pela reportagem para comentar as denúncias, a PBH afirmou que instituiu uma comissão intersetorial, com reuniões periódicas, para tratar do assunto, com a participação da Associação dos Carroceiros em uma delas.

No dia 22 de fevereiro, segundo a prefeitura, o plano detalhado das ações foi apresentado em reunião para as quais foram convidados representantes da Associação dos Carroceiros, que optaram por não comparecer, assim como membros da sociedade civil, defensores da causa animal e o poder legislativo.

O executivo informou que, quando necessário, os carroceiros e suas famílias serão inseridos no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), bem como do Serviço Especializado de Abordagem Social, realizado pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).
 

Edição: Leonardo Fernandes