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Coluna

Eleições 2024: o que está em jogo?

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Imagem - Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Um pequeno gabinete de vereador pode executar um trabalho relevante na difusão da agenda fascista

Com colaboração de Pedro Otoni

 

Neste ano eleitoral, uma questão ronda a realidade brasileira: o que deve acontecer quando um partido e um grupo eleito pela urna eletrônica questiona a democracia e pressiona pelo rompimento institucional?

Toda eleição possui uma qualidade própria, uma singularidade que indica o que está em jogo para além da simples aferição junto ao eleitorado de suas preferências de representação. Algumas eleições, no entanto, expressam movimentos mais profundos na sociedade, gerando desdobramentos de longo prazo. A singularidade das eleições municipais de 2024 encontra-se na ameaça de consolidação da extrema direita como uma força política condicionadora da vida pública no Brasil.

Assim como conseguiu eleger a maior bancada na Câmara dos Deputados, o Partido Liberal (PL), sigla de Bolsonaro, planeja elevar das atuais 371 para 1.200 prefeituras, o que significa ultrapassar o (PSD), hoje à frente de 968, e ser a legenda com maior número de Executivos municipais. Se o mesmo plano for aplicado para a disputa pelas Câmaras de Vereadores, o PL saltaria de 3.456 para aproximadamente 10 mil gabinetes parlamentares, o que superaria o MDB como maior partido nos legislativos municipais.

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Diante disso, é necessário considerar, de maneira ainda mais séria, o apoio às investigações sobre o papel do PL na tentativa de golpe e em outras operações ilegais do bolsonarismo, tal como sustenta o Senador Humberto Costa (PT), ao ingressar na Procuradoria Geral da República (PGR) com o pedido de investigação sobre o envolvimento do partido de Bolsonaro e Costa Neto no financiamento de “atividades criminosas” para invalidar o resultado das eleições de 2022. Essa ação poderia levar à cassação do registro da legenda ou ao corte do fundo partidário.

A ofensiva eleitoral da extrema direita

A eleição municipal, em especial para os cargos proporcionais, é um jogo, cujo sucesso depende de detalhes finos, ajustes meticulosos, com o objetivo de conquistar apoios de nichos eleitorais.

As disputas para o Executivo, por sua vez, seguem um padrão semelhante em 98,2% dos municípios com menos de 200 mil eleitores, nos quais as eleições são decididas em um único turno. A tradução política disso é que candidaturas com forte apoio em nichos eleitorais bem definidos ideologicamente ou com “votos disciplinados” possuem maior viabilidade eleitoral, mesmo não possuindo maioria política eleitoral em geral.

Esse aspecto é de particular importância para entender o jogo em 2024. A extrema direita está preparando uma grande ofensiva eleitoral e entende, diferente da esquerda, que qualquer espaço institucional, por mais frágil e sem recurso que seja, em um contexto de predominância da comunicação digital, torna-se um dispositivo valioso de seu projeto.

Um pequeno gabinete de vereador no interior do país, por exemplo, se orientado estrategicamente – e estão sendo formados em massa para isso – pode executar um trabalho relevante na difusão da agenda fascista, ultrapassando o isolamento territorial no qual está inserido. As noções de espaço, proporções e credibilidade mudaram radicalmente com a expansão do acesso à internet. Os vídeos viralizam, os discursos de ódio se alastram, e assim, personagens medíocres se tornam celebridades.

Com fracasso do golpe, eleições são nova aposta do bolsonarismo

As eleições municipais no Brasil são um movimento de massas, no qual mais de meio milhão de candidaturas mobilizam outros milhões de cabos eleitorais, visando ocupar cerca de 68 mil cargos eletivos. Essa disputa aciona parcelas do eleitorado antes inertes, levando-as a se posicionarem. A ofensiva eleitoral da extrema-direita em 2024, reconhecendo essa característica, procurará, ao que tudo indica, executar uma estratégia de disputa massiva, orientada “pelo alto”, mas com ampla liberdade de execução e criação na base.

O ensaio dessa abordagem ocorreu nas eleições para os conselhos tutelares, em outubro passado, quando a extrema direita e religiosos reacionários avançaram em um espaço tradicionalmente ocupado pela esquerda.

As eleições municipais são uma oportunidade para viabilizar econômica e politicamente uma camada média de ativistas, suas lideranças locais, por meio de cargos eletivos. Cabe ressaltar que importa menos para essa tática a relevância isolada dos cargos conquistados, e mais o papel que cumprem em seu conjunto, funcionando como instrumentos de vocalização e mobilização do fascismo.

PL pretende ser a sigla com mais prefeituras

A conjuntura recente mostra que o desejo do PL de Bolsonaro de se tornar a legenda com maior número de Executivos municipais não é uma meta inalcançável, há espaço para esse crescimento pelas razões já expostas. O problema adicional para a vida política brasileira é que esse partido se tornou o principal operador do fascismo no último período, e isso é algo extremamente grave. Como já apontam as investigações da Polícia Federal, estamos lidando com um partido que esteve envolvido e seria o principal beneficiário do eventual sucesso da tentativa de golpe. Não considerar de maneira séria este fato é uma irresponsabilidade com a política e com a democracia.

É inegável a articulação internacional da extrema direita e seu acúmulo de forças nos últimos dez anos. No Brasil, ao que parece, ela atinge um outro nível de qualidade, assume caráter golpista e foi capaz de formular uma estratégia que combina diferentes formas de luta, desde as ilegais até a disputa dentro da ordem institucional, mesmo que em tensão permanente com ela. Os atos de rua, a mobilização dos CACS (Caçadores, Atiradores e Colecionadores de Armas), os tentáculos que envolvem milícias, setores da segurança pública e Forças Armadas e fontes de financiamento ilícitas, até a participação prática regular nas disputas institucionais. A força dessa combinação não pode, de forma alguma, ser subestimada.

Há um risco real de consolidação das forças fascistas no país, porque mesmo em um cenário de ausência de condições para o seu triunfo total, ele pode condicionar a política nacional de tal forma que o horizonte de aspirações democráticas e populares se mantenha rebaixado por um longo período, o que significa um impasse de efeitos devastadores para quem vive do próprio trabalho. 

A democracia e as organizações que a compõem devem ser intransigentes em relação a partidos, lideranças e projetos que defendam o genocídio, a tortura, o autoritarismo, a discriminação e a supressão das liberdades individuais e coletivas. A intransigência frente ao fascismo é a condição necessária para garantir a democracia. A história confirma que a tolerância frente à extrema direita é o momento que antecede as grandes tragédias humanas.

Minas Gerais no coração da disputa

Minas Gerais tem um papel central em todas as disputas para o Executivo nacional, já que quem ganha em nosso estado tradicionalmente ganha a eleição. Nas eleições deste ano, Minas segue no coração da disputa, tanto pelo expressivo número de municípios, quanto pelo investimento do bolsonarismo nas células conservadoras em territórios mineiros.

É nossa tarefa combater o fascismo e combater a política do “menos pior”, que foi o que nos trouxe até aqui. Belo Horizonte precisa de um projeto político capaz de realmente movimentar a cidade, de esperançar e empolgar a população.

Não devemos nos entregar ao medo nem rebaixar o debate para palavras vazias que engajam curtidas em redes sociais da extrema direita. Precisamos de debates capazes de convocar a população a dialogar sobre os principais problemas que enfrentamos cotidianamente. Precisamos falar sobre o transporte de péssima qualidade, sobre a educação infantil, sobre os cuidados com o meio ambiente, sobre como construir políticas efetivas de cuidado e trazer as periferias para o centro do orçamento.

Em BH, o campo progressista está unido, mas precisa alinhar melhor suas estratégias. É esse o esforço que nós, como pré-candidatura pelo PSOL, temos feito cotidianamente para não entregar a cidade nas mãos da extrema direita, nem à lógica do “menos pior”, o que daqui a quatro anos nos empurraria para uma situação parecida como a de agora. É urgente o avanço em debates e práticas políticas.

É apenas rompendo com a lógica do “menos pior” que poderemos sair dessa iminente ameaça fascista. Foi assim com as últimas eleições do presidente Lula, com uma ampla mobilização em torno de um projeto de país que articule a esperança e políticas que não deixem a população desamparada. Agora é a hora de dar mais um passo e firmar lideranças políticas progressistas no Executivo e no Legislativo municipal que tenham compromisso com a construção de um país democrático e com garantias básicas consolidadas na Constituição de 1988, como o direito à alimentação, à moradia, à saúde, ao trabalho digno e ao lazer. É hora de garantir direitos e avançar rumo a um horizonte mais belo.

 

Bella Gonçalves é uma mulher, lésbica, lutadora pelo direito à cidade e deputada estadual de Minas Gerais (PSOL).

Pedro Otoni é cientista político.

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Leia outros artigos de Bella Gonçalves em sua coluna no jornal Brasil de Fato MG.

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

 

Edição: Leonardo Fernandes