Minas Gerais

Coluna

Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem?

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"Patrocinado pelos trilhões que o fascismo internacional gasta em suas plataformas para difundir suas mentiras, o bilionário é mais um dos tais "libertários". Vocifera contra o Estado mas pediu a proteção estatal para resguardar a Tesla, sua empresa, contra a concorrente BYD, também fabricante de veículos elétricos. " - Reprodução/Facebook/Jair Bolsonaro
A extrema direita vive de mentiras. São seu oxigênio. A maior delas é que defende a ordem

A canção dos Titãs já perguntava, 40 anos atrás: quem quer criar desordem?

A extrema direita vive de mentiras. São seu oxigênio. A maior delas é que defende a ordem.

Ela defende a pobreza, o autoritarismo, a desigualdade, a exclusão, e portanto, a desordem. Mentira e força bruta, especialidade dos fascistas, nunca mantiveram a ordem.

Neste último fim de semana, dois exemplos flagrantes de que a direita é veículo de desordem.

Equador

Primeiro, a absurda invasão da embaixada do México pela polícia equatoriana para prender um ex-vice-presidente do país. Embaixadas são invioláveis. Invadir a embaixada de um país é invadir esse país.

O Equador passa por uma crise política e de segurança pública sem precedentes desde que se tornou um centro logístico para o tráfico de drogas para o EUA. A economia das drogas, nutrida por sua proibição, é fator de empoderamento de gangues criminosas, de desordem.

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Sem entrar no mérito se é justa ou não a prisão do ex-vice-presidente, motivada, no discurso oficial, pelo combate à corrupção, o fato é que o governo de Daniel Noboa jogou no lixo todos os protocolos da diplomacia e do direito internacional ao ordenar a invasão da embaixada. Nem ditaduras como a de Pinochet, no Chile, ou de Videla, na Argentina, ocuparam embaixadas onde se refugiavam adversários políticos.

Noboa, milionário que chegou à presidência apoiado pelas redes sociais e pela mídia empresarial tradicional e na promessa de trazer ordem, combatendo o narcotráfico e a insegurança crescentes, agiu como um desordeiro, desrespeitando as regras do jogo.

Elon Musk e a plataforma X

Desordem e desrespeito às regras mínimas da democracia também são especialidade do bilionário dono da plataforma X, ex twitter.

No fim de semana, ele atacou o STF e o ministro Alexandre de Moraes e ameaçou retirar restrições de contas do X determinadas pelo Judiciário brasileiro. Pediu, também, a renúncia ou impeachment de Moraes.

Claro que o STF, e seus ministros, podem ser, dentro dos limites da civilidade, criticados, e não só por brasileiros. Faz parte do jogo democrático. Mas é uma provocação afrontosa um estrangeiro pedir impeachment de uma autoridade brasileira, e pior: ameaçar descumprir nossas leis e decisões judiciais.

Pois também faz parte do jogo democrático cumprir decisões judiciais. Lula, quando condenado por Moro com ajuda da mídia empresarial, tinha certeza da injustiça da decisão. Nem por isso fugiu do país - como muitos lhe aconselharam - ou desobedeceu a ordem judicial.

Sim, o STF não só pode como deve ser criticado, por seu elitismo. Não é à toa que a maioria dos brasileiros desconfia das nossas instituições formais, inclusive as jurídicas. Elas têm funcionado, ao longo da história, mais como recurso de mando dos poderosos que como garantidoras de cidadania geral.

Isso justifica, então, queimar o STF, como queriam os aloprados do 8 de janeiro de 2023? Ou desrespeitar suas decisões?

Raymond Aron dizia que, em política, as escolhas raramente se dão entre o bem e o mal absolutos, mas entre o preferível e o detestável. Na contenda entre o STF e os fascistas, é fácil ver que detestáveis são os últimos.

O STF e o Judiciário brasileiro possuem vários defeitos, como o prova o recente ataque da corte superior aos direitos dos trabalhadores. Mas ao ser atacado pelo fascismo nacional e internacional deve ser defendido.

Nem toda a atuação do universo jurídico brasileiro tem sido historicamente elitista. E o Judiciário é uma instituição indispensável numa ordem republicana. Instituição que pode ser aperfeiçoada, arejada em sentido democrático.

Apologia a tortura é crime

Uma prova, dentre outras, de que o republicanismo pulsa no universo dos juristas e dos tribunais foi dada recentemente por uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais. O caso foi o seguinte:

Empregado de um hospital de Belo Horizonte foi trabalhar com uma camiseta escrita: "Ustra Vive". A direção demitiu-o por justa causa, pois regulamento interno do hospital proíbe que empregados façam, no ambiente de serviço, propaganda política ou partidária, com o agravante de se fazer apologia a reconhecido torturador, condenado judicialmente.

O empregado entrou com ação trabalhista e no primeiro grau conseguiu a reversão da demissão por justa causa em demissão sem justa causa, a qual confere ao trabalhador maiores indenizações.

O hospital recorreu, e a primeira turma recursal do TRT de Minas acolheu o voto da relatora, desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, e reformou a decisão de 1º grau para referendar a demissão original, por justa causa.

Se essa atitude firme tivesse sido a tônica no Estado brasileiro uns anos atrás, se não houvesse tanta leniência com apologistas de crimes como a tortura, com deputados que diziam para as colegas: "só não te estupro porque você não merece", talvez não tivéssemos chegado ao fundo do poço em que chegamos.

Atitude firme não é autoritarismo.

A democracia deve ser, por princípio, tolerante, mas não com quem é absolutamente intolerante, e, nessa intolerância radical, visa acabar com ela.

E na democracia o direito à liberdade de expressão é a regra, mas esse direito não é absoluto, não pode ser usado para se fazer apologia ao crime, e tortura é crime, e torturadores, obviamente, criminosos.

Fascismo internacional

Liberdade tem como pressuposto respeitar a liberdade alheia

O bilionário dono da plataforma X se disse, na mensagem em que ameaçou descumprir a lei brasileira, um "absolutista da liberdade de expressão". Todo absolutista, seja do que for, é, ao fim e ao cabo, somente um absolutista.

Patrocinado pelos trilhões que o fascismo internacional gasta em suas plataformas para difundir suas mentiras, o bilionário é mais um dos tais "libertários". Vocifera contra o Estado mas pediu a proteção estatal para resguardar a Tesla, sua empresa, contra a concorrente BYD, também fabricante de veículos elétricos. E na China, onde a Tesla tem uma fábrica, não dá um pio contra o Estado. Lagartixa sabe onde bate a cabeça, diz a sabedoria popular.

A "liberdade", com aspas bem merecidas, desses "libertários", como o bilionário protetor de fascistas, significa impor todas suas regras e caprichos particulares sobre os outros. É um sonho somente para eles, meia dúzia de poderosos, para 99,9% das outras pessoas é um pesadelo.  Só traz desordem.

A verdadeira liberdade tem como pressuposto respeitar a liberdade alheia, para que a própria seja também respeitada. É isso que mantém a ordem.


Rubens Goyatá Campante é doutor em Direito pela UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (CERBRAS)

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Leia outros artigos de Rubens Goyatá Campante em sua coluna no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida