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CPT MG, 45 anos: luta, suor e sangue por terra, direitos e agroecologia

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Em Minas Gerais, além de Mata Atlântica, o bioma cerrado, santuário natural e sagrado, era grande celeiro de fontes de águas e de alimentos. - Foto: Denis Wilson e Zilah de Matos/CPT-MG
CPT MG nasceu em 1979, quatro anos após a criação da CPT nacional

Com cinquenta participantes, entre camponeses e camponesas, agentes de pastoral e assessoria, entre 16 e 18 de agosto de 2024, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) no estado de Minas Gerais, CPT/MG, realizou uma Assembleia Estadual. Foi a 24º assembleia da Pastoral da Terra. O tema deste ano foi, 45 anos de amizade socioambiental com o “Deus da vida, dos pobres, da terra e de toda a criação” e o Lema “A minha aliança é com tudo que existe na terra” (Cf. Gen 9,8-17).

Nascimento

Em Minas Gerais, no ano de 1979, nascia no meio do campesinato a Comissão Pastoral da Terra, quatro anos após a criação da CPT nacional, em junho de 1975. No estado de Minas Gerais, até uns 50 ou 60 anos atrás, embora a terra estivesse em cativeiro nas garras de coronéis latifundiários, o território das minas e dos gerais era um “paraíso terrestre”.

Constituído por um esplendor de biodiversidade, o território fazia Minas Gerais ser considerada a caixa d’água do Brasil, ao irrigar com abundância as bacias hidrográficas do Rio São Francisco (2.830 Km), Rio das Velhas (801 km), Rio Grande (1.090 Km) e Rio Paranaíba (1000 Km), que formam o rio Paraná. Além das bacias do Rio Doce (853 Km), Rio Jequitinhonha (1.090 km), Rio Paraíba do Sul (1.137 Km), Rio Pardo (573 Km), Rio Araguari (475 Km), Rio Mogi-Guaçu (473 Km), Rio Mucuri (446 Km), Rio Pará (365), Rio Santo Antônio (287 Km), entre dezenas de outros rios.

Em Minas Gerais, além de Mata Atlântica, o bioma cerrado, santuário natural e sagrado, era grande celeiro de fontes de águas e de alimentos.

Entretanto, os territórios em Minas Gerais estavam nas garras dos coronéis que com jagunços assassinaram dezenas de camponeses e superexploraram milhares. Quem não aceitava os ditames dos coronéis era expulso ou morto.

Uma quilombola do Vale do Jequitinhonha nos contou: “Essas fazendas foram tomadas na marra. Eles man­davam os pistoleiros para matar os posseiros. Se algum deles vacilasse e não matasse, morria tam­bém”. Milhares de famílias foram expulsas do campo, muitas delas sob ameaças de morte. Muitas casas foram derrubadas por jagunços e/ou por tratores a mando de fazendeiros. A quilombola completou:

“Minha avó morava em uma fazenda há mais de cinquenta anos e foi expulsa sem direito a nada e ainda com ameaça de morte. Ela não tinha consciência dos direitos dela. Os coronéis davam uma ordem e se obedecia ou era expulso ou morto”.

O sociólogo José de Souza Martins, em Os Camponeses e a Política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político: “Para fazer valer o seu poder regional, os coronéis dispunham de grande número de jagunços, trabalhadores e agregados de suas fazendas e das fazendas de seus clientes e correligionários. [...] O coronelismo enredava, numa trama complicada, questões de terra, questões de honra, questões de família e questões políticas”.

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Foi neste contexto de “paraíso terrestre”, mas aprisionado pelo latifúndio e pelos coronéis e diante dos clamores ensurdecedores dos camponeses e das camponesas que a CPT foi criada em Minas Gerais, em 1979.

A narrativa do dilúvio na Bíblia pode ter sido inspirada em inundações regionais, mas no mais profundo se refere ao tsunami de exploração, escravidão e expropriação da terra que os impérios faziam, principalmente o Império Babilônico. O povo sem-terra exilado na Babilônia ou como “resto de povo” na própria terra, mas impedido de acessar a terra experimentava a situação de exílio e de aprisionamento da terra como um “dilúvio” que devastava quase tudo.

Mesmo com pouca experiência, o camponês Noé, homem justo, fez uma arca e com profunda sensibilidade ecológica colocou na arca um casal de cada espécie, nos informa o texto bíblico (Gen 6,13-9,29). Parece que Chico Mendes aprendeu com Noé a necessidade de preservar as florestas e toda a biodiversidade.

Luta pela terra, direitos e agroecologia

Nos seus 45 anos, em Minas Gerais, parecida com Noé, com justiça, ética e profunda solidariedade com os camponeses e as camponesas, a CPT foi construindo “arcas de salvação e libertação” dos Povos do Campo.

Já são 424 assentamentos de reforma agrária conquistados em Minas Gerais com muita luta coletiva, suor e sangue. A CPT contribuiu muito na construção de Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) e na oposição, quando muitos destes arrefeceram na luta por direitos.

A CPT contribuiu na construção e desenvolvimento de vários movimentos sociais camponeses, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento de Luta pela Terra (MLT), Movimento dos Trabalhadores Camponeses (MTC), Frente Nacional de Luta no Campo e na Cidade (FNL) e outros.

A CPT MG contribuiu também na construção de centros de agroecologia, como o Centro de Agricultura Alternativa do norte de Minas (CAA), o Centro Agroecológico Tamanduá (CAT), de Governador Valadares, o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA).

A CPT se somou também na luta dos povos indígenas em Minas Gerais. O Povo Xakriabá já conquistou mais de 50 mil hectares do seu território, mas falta conquistar outros 50 mil hectares. A CPT vem se dedicando nas últimas décadas também à luta quilombola, que segue crescendo. O Quilombo dos Crioulos, com mais de 600 famílias, no norte de Minas Gerais, conquistou um território com 17.300 hectares.

Luta, suor e sangue

Entretanto, estas conquistas têm custado muita luta, suor e sangue. Em uma sociedade capitalista, que é uma máquina brutal de moer vidas, é impossível construir um domingo de ressurreição com condições de vida justa e digna para todos sem companheiros de luta serem tombados na luta.

Segundo dados da CPT, entre 1985 e 2015, no estado de Minas Gerais, 84 camponeses foram assassinados na luta pela terra. Como exemplo, podemos citar:

Eloy Ferreira da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de São Francisco, no norte de Minas, assassinado dia 16 de dezembro de 1984; Júlio Rodrigues de Miranda, posseiro, presidente do STR de Unaí, assassinado dia 6 de outubro de 1985, no município de Unaí; os camponeses Antônio Joaquim, Donato e Ermes Miranda assassinados no norte de MG; os indígenas Rosalino Gomes, José Pereira Santana e Manuel Fiúza do povo indígena xacriabá, assassinados dia 12 de fevereiro de 1987; os três auditores fiscais do Ministério do Trabalho - Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva - e o motorista dos fiscais Ailton Pereira de Oliveira, assassinados em Unaí, no noroeste de Minas, dia 28 de janeiro de 2004; os cinco Sem Terra do MST, assassinados em Felisburgo dia 20 de novembro de 2004.

Mas, “se me matam, vou ressuscitar na luta do meu povo”, já dizia dom Oscar Romero. “Do sangue de Margarida, Margaridas na luta!”. O sangue dos mártires continua circulando nas lutas por direitos.

Em 2024, em contexto de sirenes da emergência climática gritando de forma estridente, cultivar amizade socioambiental se tornou uma necessidade vital. Sem perder a opção de classe, a aliança com a classe camponesa na sua imensa pluralidade exige atualmente aliança com toda a “criação, que geme em dores de parto” (Rm 8,22), com todos os seres vivos e tudo o que existe.

Aliança para o futuro

Por isso, a CPT MG, ao celebrar seus 45 anos, reassume compromisso de aliança com os camponeses e tudo o que existe na natureza, pois precisa ser preservado e defendido.

Para continuarem reproduzindo o capital os capitalistas criaram o modelo de “economia verde”, que é uma ilusão ideológica que fixa valores para destruição ambiental. Propagam a mentira que “com mais do mesmo”, mudando apenas os rótulos e as aparências não chegaremos à sustentabilidade ambiental. Endeusam o poderio da tecnologia como se só com avanços tecnológicos fosse possível consertar a brutal devastação que segue crescendo em progressão geométrica. Cientistas já demonstraram que o progresso capitalista está consumindo, anualmente, 1,7 vezes o que o planeta Terra suporta. Ou seja, precisaríamos de mais de dois planetas Terra para suportar o exagero de consumo de bens naturais.

A cantilena da “transição energética” tem sido apontada pelo grande capital como a solução para avançarmos rumo a uma economia de baixo carbono. Como trocar gasolina por álcool não resolveu a injustiça ambiental e a poluição, trocar carros movidos a combustível fóssil por carros elétricos também será “mais do mesmo”, porque para suprir a demanda de energia intensificam-se os processos minerários e o controle da cadeia de suprimentos, o que implica acentuação de lógicas expropriatórias, com controle sobre os territórios e sobre os Povos.

Em Arinos, no noroeste de MG, por exemplo, estão sendo implantadas placas de energia solar em 80 mil hectares de terra, o que causará a expulsão de milhares de famílias, brutal devastação ambiental, assassinato de animais e pássaros em massa e elevação da temperatura.

Neste contexto, a CPT MG continuará denunciando as violências da mineração, do ogronegócio com suas monoculturas desertificadoras de territórios. Defendemos os direitos da natureza e apontamos o caminho para a superação do capitalismo e construção de uma sociedade com justiça socioambiental, o que exige estilo de vida sóbrio e austero. É preciso frear o crescimento econômico que está gerando decrescimento brutal para a maioria. Preservar as condições de vida tornou-se imperativo ético para impedirmos a extinção da humanidade.

A 24º Assembleia da CPT MG aprovou quatro prioridades para o triênio de 2024-2027:

1ª) Apoiar a luta pela terra e território, água, alimento, sociobiodiversidade;

2ª) Organização e articulação das mulheres e juventudes;

3ª) Formação da e dos camponeses, comunidades e agentes;

4ª) Fortalecimento pastoral e institucional.

Reafirmou-se o apoio às lutas dos Povos Originários e dos Povos e Comunidades Tradicionais, a missão e a metodologia de trabalho da CPT: o trabalho de base, a educação do/no campo, a defesa dos direitos humanos de mulheres e minorias, o protagonismo dos camponeses e das camponesas, das comunidades e das juventudes.

O sangue derramado ao longo da história da CPT MG é força viva que impulsiona para as lutas necessárias. 

Viva a história da CPT!

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Elis Almeida