Minas Gerais

Ditadura

Em abril de 1968, Contagem (MG) é palco da primeira grande greve da ditadura

Metalúrgicos de Contagem, região metropolitana de BH, pararam as máquinas para protestar contra o arrocho salarial

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Na época, Contagem já era era um dos principais centros industriais do estado, com quase 30 mil habitantes e mais de 18 mil operários - Reprodução

1968. Em janeiro, a Frente Nacional de Libertação do Vietnã avançou sobre a embaixada dos EUA em Saigon, enquanto milhões por todo o mundo exigiam o fim da guerra contra o povo vietnamita. No 1º de Maio, cerca de 20 mil trabalhadores expulsariam o governador Abreu Sodré da Praça da Sé, em São Paulo. No dia seguinte, estudantes iniciariam as barricadas contra o regime do general De Gaulle, em Paris. Em junho, no Rio de Janeiro, o movimento estudantil começaria a Passeata dos Cem Mil contra a repressão. No mês de julho, 3 mil trabalhadores ocupariam a fábrica da Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários, em Osasco. 

Em Contagem, milhares de trabalhadores ajudaram a escrever a história desse inquieto ano de lutas populares. No dia 16 de abril, eles começaram a primeira grande greve do Brasil após o golpe militar. Era uma resposta à política de arrocho salarial que, desde o golpe militar, havia provocado uma desvalorização geral de 20% dos salários. A principal reivindicação era um reajuste de 25%.

Aquela campanha deixou uma marca profunda na história do país. “O saldo principal é a pavimentação de um caminho de constante resistência e construção de poder popular. Sem as greves de Contagem e Osasco de 1968, não haveria o surgimento do novo sindicalismo da década de 70, que fez cambalear a ditadura nos anos 80 e tanto peso teve na política nacional até os dias de hoje”, avalia o cineasta Carlos Pronzato, que dirige um documentário sobre a greve.

Dificuldade para lutar

Às vésperas do golpe, o movimento sindical brasileiro estava em plena ebulição. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, 172 greves eclodiram em 1963, mesmo ano em que o governo de João Goulart reajustou o salário mínimo em 56%. Imediatamente após tomarem o Planalto, em 1964, os militares puseram em prática um programa para acabar com esse processo, retirando direitos e atacando organizações sindicais.

Por um lado, só permitiram que o salário mínimo fosse reajustado abaixo da inflação e, em 1967, abriram as portas para acabar com a estabilidade no emprego. Antes, empregados com mais de 10 anos de carteira, se demitidos sem justa causa, tinham direito a uma indenização equivalente a um mês de seu vencimento por cada ano, além de multa de 10%. Essa política foi sendo paulatinamente substituída pelo FGTS.

Ao mesmo tempo, criaram um sem número de sindicatos-fantasmas, aparelhados por gente indicada e controlada pelo governo, e perseguiram as lideranças mais combativas. Nos quatro primeiros anos da ditadura, diminuíram as greves, que ficavam cada vez menores e, na maioria das vezes, limitavam-se a protestar contra atrasos em pagamentos.

Em 1967, a perseguição destituiu os dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos de Contagem eleitos pelos trabalhadores, incluindo o eletricista da Mannesman Ênio Seabra, um dos principais dirigentes dos metalúrgicos. A partir de então, ele sofreu perseguição policial e seis prisões políticas, uma delas a poucas semanas da greve de 1968. “Quando os trabalhadores souberam que eu estava preso, aqueles que estavam mais organizados prometeram: ‘se vocês não soltarem, nós vamos parar’. Fui solto e, quando cheguei em casa, o presidente do sindicato me chamou: ‘vai lá porque, se você não chegar, o pessoal vai parar”, recorda Ênio.

A retomada após o golpe

Na época, Contagem já era era um dos principais centros industriais do estado, com quase 30 mil habitantes e mais de 18 mil operários que moravam e trabalham na Cidade Industrial e em seus arredores. Desde outubro de 1967, as lideranças dos trabalhadores percorriam os locais de trabalho para propagandear a luta contra o arrocho.

E foi assim que, no dia 16 de abril de 1968, os operários da Belgo-Mineira acordaram cedo, não para trabalhar, mas para interromper o curso das máquinas e ocupar a fábrica por dez dias. Começaram com 1.600 metalúrgicos, que foram se multiplicando até que os trabalhadores de todas as empresas também aderissem ao movimento.

A repercussão da greve em todo o Brasil apavorou os patrões e levou o ministro Jarbas Passarinho a fazer ameaças na TV e ordenar a repressão, colocando 1.500 policiais em ação. Alguns operários foram procurados em suas próprias casas e 20 lideranças foram presas. Porém, o movimento arrancou um abono de 10% que, no dia 1º de maio, o ditador-general Arthur Costa e Silva foi obrigado a reconhecer a todos os trabalhadores brasileiros, temendo novas greves.

“Eu acho que a greve foi vitoriosa. Tudo nosso foi feito com muito sacrifício, ficamos sempre dependendo de alguns valores, problemas financeiros, como hoje tem. Os 10% refletiram no país todo, a luta dos trabalhadores aqui chamou a atenção para todo o Brasil”, afirma Ênio. No mês seguinte, começaria a greve de Osasco.

“1968: Greve de Contagem, a primeira greve durante a ditadura militar”

O documentário do cineasta argentino Carlos Pronzato conta a história da greve de 1968, mostrando o protagonismo operário naquela campanha.  “Estamos em processo de finalização e angariando recursos com organizações que apoiem um cinema independente de intervenção política como o nosso, na tentativa de resgatar a memória para impulsionar ações efetivas nos tumultuados dias de hoje”, afirma Carlos Pronzato. Para contribuir com a iniciativa, entre em contato pelo e-mail [email protected] ou por telefone: (21) 9 7995 7981.

Edição: Joana Tavares