cúmplice do horror

Crônica | e daí? – ou como conversar com quem relativiza fascista

"bolsonaro vai passar. moro vai passar. mas o problema é outro – e igualmente grave"

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
fascismo se destroi
"Chega um momento em que a temperança da relativização por afeição, empatia, sororidade, o que for 'do bem' torna-se cúmplice do horror" - Reprodução

- minha tia votou no bolsonaro, mas não é fascista, só é mal informada.
- ela tem acesso a livros, jornais, cabo, internet?
- tem, mas veja bem...
- então, ela não é mal informada.
- mas é minha tia, no fundo, no fundo, não é má pessoa.
- e daí que é sua tia? aceite: sua tia é fascista.

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- Roberto é religioso, do bem, mas é fã do moro. não entendo.
- Roberto é o que seu?
- meu melhor amigo.
- e daí? aceite: seu melhor amigo não é do bem, ele é fascista.

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- olha, a Marilise é bolsonaro, mas eu não posso me queixar dela.
- quem é Marilise?
- colega de serviço. bolsonarista, mas, como te disse, leal, prestativa.
- e daí? você aceitaria ajuda do bolsonaro?
- claro que não!
- então, por que aceita ajuda de quem votou nele? aceite: ela é fascista.

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- essa vida é mesmo muito louca, né?
- por quê?
- veja você: lá em casa, 4 filhos. mesma criação, ninguém é de esquerda, propriamente, mas eu e dois irmãos acreditamos que foi golpe. já o caçula, não. fã do moro e tudo. sempre tem um do contra, né?
- não, seu irmão não é do contra, seu irmão é fascista.
- mas é meu irmão, difícil isso.
- e daí? aceite: seu irmão é fascista.

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bolsonaro vai passar.

moro vai passar.

todas essas anomalias ungidas pelo deus mercado vão passar.

seja por meio de mais um golpe, seja ao final do mandato, mas vai passar.

não é otimismo, é respeito à lógica, à História.

o mercado se empenha diuturnamente para que bolsonaro e moro se igualem a hitler – que também foi financiado pelo mercado –, ou mesmo o superem em servilismo, mas é impossível, já que hitler, respeitemos os fatos, era tudo de abominável, mas inteligente e nacionalista, ao passo que bolsonaro e moro não passam de parasitas entreguistas, e não só são burros, mas orgulham-se de sê-lo.

apesar do nacionalismo e da inteligência de hitler, seu poder durou o quê? a contar de sua ascensão, em 1933, à sua derrota, em 1945, 12 anos.

horrores inomináveis, que pareciam infinitos, mas passou.

aqui, considerando-lhes a burrice, bolsonaro e moro vão passar.

mas o problema é outro – e igualmente grave.

Brecht cantou a pedra: “A cadela do fascismo está sempre no cio”.

e está mesmo.

para ficarmos somente nos dois casos já citados, na mesma Alemanha de hitler, hoje, 1/3 do parlamento é composto por neonazistas forjados no mesmo partido do “führer”, e foi por muito pouco que também não elegeram o primeiro-ministro – uma frente ampla garantiu a 4ª reeleição de Merkel.

na mesma Itália do “duce”, a extrema-direita, feito uma metástase, destruiu diversos órgãos e tecidos da democracia, debilitando gravemente a economia, políticas públicas e, logo, o Povo.

aqui, isso que está aí.

comum a todos, o fator determinante: apoiando golpes ou votando, camadas e mais camadas da sociedade compostas por dementes vocacionais alérgicos ao saber e ao pensamento, inimigos da igualdade e do humanismo, porque vagabundos e burros, são incapazes ao desenvolvimento e prática de qualquer feito que lhes confira respeito, admiração, destaque, então precisam que o maior número possível de seres humanos sejam torturados pela indignidade – e, de preferência, servindo-os de uma forma qualquer que lhes permita o vômito de hipocrisias como “meritocracia” “eu gero emprego e renda” (eufemismo canalha para “eles me geram lucro”), “minha doméstica é como se fosse da família” e outros bordões fedendo à putrefação do escravagismo, da qual as carreatas pedindo o fim do isolamento em diversas capitais do país, mais trabalhadores de Campina Grande (PB) obrigados a, à guisa de oração, ficarem de joelhos para o comércio ser reaberto, porque “O Brasil (leia-se, lucro) não pode parar”, são os mais recentes e abjetos exemplos.

e aquela tia “mal informada”, o Roberto “do bem”, a “prestativa” Marilise e aquele irmão “do contra”, claro, ainda apoiam tudo isso, ainda apoiam bolsonaro e moro, e pior: apoiarão qualquer um/a que lhes sirva de espelho e combustível aos seus instintos fascistas que estavam enrustidos durante tanto tempo, mas que bolsonaro, moro, nazicrentes, mídia, “famosos” e parasitas afins lhes convenceram a ostentar como virtude patriótica, moral, religiosa ou que outra farda vista o ódio.

chega um momento em que a temperança da relativização por afeição, empatia, sororidade, espiritualidade, desejo de concorrer ao Nobel da Paz, o que for “do bem”, torna-se cúmplice do horror, tal qual cada pessoa que ainda relativiza as falas e feitos de bolsonaro já e cúmplice das, até então, mais de 5 mil vítimas da “gripezinha”, tragédia que poderia ser bem menor se o “herói” moro usasse o que sabe sobre bolsonaro por uma questão de ética pública, não como instrumento de chantagem para saciar seus interesses e, sobretudo, os interesses dos predadores que são seus donos. e, claro, muito antes, se a sua tia, o seu melhor amigo, a sua colega e o seu irmão não tivessem eleito e escolhido como herói essas anomalias.

chega um momento em que a temperança da relativização por afeição, empatia, sororidade, espiritualidade, desejo de concorrer ao Nobel da Paz, o que for “do bem”, torna-se cúmplice do horror

portanto, e daí que é sua tia? e daí que é seu melhor amigo? e daí que é sua colega? e daí que é seu irmão? são fascistas, assim devem ser tratados e, mais importante, assim deverão ser lembrados – sempre.

que isso nunca mais se repita.

ao menos com a sua relativização, ou cumplicidade, não.

no fascismo, os únicos inocentes são as suas vítimas.

*Z Carota é jornalista e escritor, autor de “a beleza que existe – crônicas com uma tonelada de leveza” (Páginas Editora) e “dropz” (Editora Penalux)

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Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Vivian Fernandes e Joana Tavares