Minas Gerais

FÉ E FÚRIA

Filme gravado em BH analisa fortalecimento de igrejas evangélicas antes da eleição de Bolsonaro

Na avaliação de cineasta, longa é fundamental para compreender atual contexto político e eleitoral do Brasil

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Divulgação - Fé e Fúria

Filmado em territórios periféricos de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, o documentário “Fé e fúria”, de Marcos Pimentel, estreou na quinta-feira (13), em oito cidades brasileiras, incluindo a capital mineira. O longa aborda o fortalecimento do poder das igrejas evangélicas no período anterior à eleição de Jair Bolsonaro.

A obra, cujas cenas se passam entre 2016 e 2018, investiga o crescimento dos templos evangélicos e seu impacto na sociabilidade da população, no período pré-eleitoral. Ao longo do filme, é possível notar que a convivência, antes pacífica, passa a assumir expressões de uma guerra religiosa.

O diretor explica que o longa é completamente conectado com o atual contexto político do Brasil e retrata os embates, conflitos e valores que pairam sobre a sociedade brasileira há alguns anos.

“O filme fala sobre relações obscuras entre religião e poder e sobre a onda conservadora que, infelizmente, nos assola. Nas eleições deste ano, temos visto como a religião tem sido utilizada para inflamar a disputa”, conta Marcos Pimentel.

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A poucos dias da votação que definirá o próximo presidente da república, na qual Bolsonaro busca reeleição, o cineasta avalia que o filme chega aos cinemas brasileiros no momento certo.

"Apesar de ter estreado em festivais internacionais em 2019, parece ter sido um filme para os dias de hoje. Ele chega ao cinema num momento em que precisamos falar sobre essas coisas, que são cruciais para entendermos o que está acontecendo no Brasil e como a política nacional tem explorado a religião para tentar angariar mais votos”, completou.

Intolerância religiosa

Entre as feições tomadas pela guerra, o longa dá centralidade à intolerância religiosa e às histórias de pessoas praticantes de religiões de matriz africana, violentadas verbalmente e fisicamente.

O filme evidencia a existência de grupos evangélicos, principalmente neopentecostais, que atuam para coibir a prática de religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, nas favelas, morros, aglomerados e subúrbios das grandes cidades brasileiras.

Coordenadora-geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), Makota Celinha acredita que o documentário é fiel ao abordar a intensificação do racismo religioso e sua relação com a ascensão do fascismo e do conservadorismo no Brasil.

“O filme traz uma realidade que nós estamos vivenciando neste exato momento, com o crescimento do racismo, da intolerância religiosa e do ódio. É um documentário extremamente necessário para entendermos qual é o caminho que o Brasil trilha hoje“, conta.

A religiosa avalia ainda que a eleição de Bolsonaro expressa o que há de pior na sociedade brasileira.

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“A eleição de 2018 expressa a ascensão da ultradireita no Brasil, uma direita ingovernável. Porque, na verdade, você tem na figura do atual presidente alguém sem limites. A postura dele acaba autorizando que o racismo religioso se estabeleça e se acirre”, completa Makota Celinha.

Desequilíbrio

O diretor do longa acredita que o crescimento das igrejas evangélicas e a utilização da religião como instrumento de disputa pelo poder gerou um desequilíbrio nas comunidades e periferias do Brasil.

“Isso impacta profundamente a estruturação das forças religiosas dentro dos morros. Anos atrás o que tínhamos era a coexistência dentro do território. Era muito comum, por exemplo, você encontrar a casa de uma pastoral de igreja católica, próxima a uma igreja evangélica que, por sua vez, era próxima a um terreiro de umbanda. Era tudo muito misturado e aceito”, conta Marcos.

O cineasta ainda argumenta que essa disputa por território é desigual, já que o poder econômico, político e social está concentrado em algumas religiões.

“Um lado tem uma quantidade de adeptos muito grande, tem poder de mídia, tem o respaldo dos ‘donos do morro’, tem até mesmo o respaldo eleitoral da bancada evangélica. São grupos muito fortes que vem tentando dizimar a umbanda e o candomblé. É praticamente um genocídio”, afirma.

Armamento

Marcos conta que um dos instrumentos que intensificam o silenciamento das religiões de matriz africana são as armas de fogo. Para ele, o poder armado do tráfico, da polícia e da milícia coagem os moradores das comunidades.

Mesmo que ainda seja difícil dimensionar o tamanho do impacto do aumento do armamento da população na guerra contra essas religiões, o cineasta acredita que o poder de intimidação cresceu no último período.

“As religiões estão sendo aniquiladas como consequência das políticas que foram ou não foram implementadas pelo governo. O filme deixa bastante claro como a arma de fogo intimida os moradores das comunidades e isso está completamente relacionado a quem detém o poder ali”, argumenta.

Expectativas

Sobre as expectativas e os desafios a serem enfrentados para que a sociedade brasileira supere esse cenário, Marcos espera que o país volte a pensar em políticas que resguardem as populações de religiões de matriz africana.

“Todo mundo aguarda com muita ansiedade o resultado das urnas. O que eu espero é que voltemos a pensar política que protejam as minorias, para que seja respeitado seu direito de manifestar sua fé. Temos o grande desafio de retomar uma das características mais fortes da cultura brasileira: a diversidade”, conclui.

Assista

Em Belo Horizonte, o documentário “Fé e fúria” está em cartaz no Cine Una Belas Artes, na Rua Gonçalves Dias, número 1581, no bairro Lourdes.

Edição: Larissa Costa