Minas Gerais

HISTÓRIA

Edição zero do jornal Brasil de Fato MG comemora 10 anos

Um dos únicos jornais impressos críticos à direita em Minas, BdF nasceu com ampla articulação política e popular

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Há 10 anos o jornal Brasil de Fato MG busca passar para o trabalhador uma visão popular de Minas Gerais - Foto: Brasil de Fato MG

Nos primeiros dias de maio de 2013 começava a ser entregue nas ruas de Minas Gerais o exemplar número zero do jornal impresso Brasil de Fato Minas Gerais. A data simbólica de lançamento, mês do trabalhador e da trabalhadora, tem tudo a ver com a linha editorial que o jornal iria tomar, trazendo uma visão dos fatos sob a ótica da classe trabalhadora e em defesa dos seus direitos.

Uma mídia com tal linha editorial era novidade no estado, à época governado pelo PSDB. No lançamento político do jornal, na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o deputado Durval Angelo (PT) o classificou como uma “trincheira de ideias”.

“Estamos vivendo um momento muito desafiador. Por isso, é fundamental ter um espaço para contrapor os interesses midiáticos fundados sobre os interesses econômicos”, declarou. O país vivia uma intensificação da luta política e, em menos de dois meses, iria passar pela jornada de manifestações de junho, com milhões de pessoas saindo às ruas.

O Brasil de Fato MG chegava em boa hora.


O jornal impresso do BDF MG é distribuído todas as sextas-feiras pelas ruas de Belo Horizonte / Foto: Brasil de Fato MG

Bastidores

Até colocar o pé na rua, o Brasil de Fato Minas teve um processo de gestação. O objetivo era elaborar um jornal tabloide vivo, bonito, político, que dialogasse com os vários interesses da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, questionasse o padrão do jornal comercial. Nas palavras de Joana Tavares, editora do jornal por oito anos, os integrantes da equipe recém-formada se “permitiram sonhar”.

Nasceram colunas como a Amiga da Saúde e o Com Ciência na editoria de variedades, ao lado da receita da semana, das tirinhas e das palavras cruzadas. A contracapa foi ocupada por artigos de esporte. Pelo jornal, encontrava-se ainda a Carta dos Leitores, o Fatos em Foco, o Acompanhando, a Frase da Semana, a Pergunta da Semana, ao lado de artigos de opinião e matérias jornalísticas.

“Antes de lançar, a gente fez muita reunião, pensou modelo, pauta, visitou muitíssimas organizações com o projeto embaixo do braço”, relembra Joana. “O Brasil de Fato Minas Gerais é de fato uma construção coletiva. Isso já é uma vitória, uma demonstração de que é possível”, sustenta.

Processo de articulação foi intenso, demorou vários meses

O projeto teve o apoio, desde o início, de inúmeras entidades populares, como o Sindieletro MG, o Sind-UTE/MG, o SindiPetro MG, a CUT Minas, o MAB, o MST, o MTD, a Marcha Mundial de Mulheres, o Levante Popular da Juventude, assim como de personalidades políticas, como a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), o deputado federal Rogério Correa (PT), o deputado federal Padre João (PT) e vários outras entidades e parlamentares.

“O processo de articulação foi bem intenso, demorou vários meses. Já existia o desejo e um contexto, dentre os sindicatos e organizações de esquerda do campo popular, de ter uma ferramenta de comunicação que trouxesse suas pautas”, relata Joana. “Quando veio o incentivo nacional de fazer edições locais, já existia esse terreno fértil”, completa.

Jairo Nogueira, à época coordenador do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), foi um dos integrantes do Conselho Editorial que lançou o tabloide. Hoje presidente da CUT Minas, ele comenta a razão do envolvimento sindical com a comunicação.

“Pela importância de ter um jornal de grande rotatividade para a população beber de outras fontes que não fosse da imprensa comercial. A ideia do Brasil de Fato, que surgiu nacionalmente e posterior aqui em Minas, um jornal popular, de movimentos, foi muito bem vinda. A CUT entrou, e está até hoje, com muita força nesse processo”, afirma.

Um grito de liberdade


Capa da edição zero do jornal Brasil de Fato MG / Foto: Brasil de Fato MG

“Essa iniciativa requer ousadia e coragem”, dizia primeiro editorial

Em seu editorial zero, o jornal escreveu sobre a estrada que iria percorrer, sustentando que, para isso, era preciso ousadia e coragem. “Ousadia porque queremos fazer um jornal de qualidade, com bons repórteres, bons artigos, que seja atraente e interessante ao conjunto da população. Coragem porque precisamos ter autonomia suficiente para não nos sujeitarmos à lógica de mercado, que tenderia a deturpar o projeto”.

A edição zero contou com 100 mil exemplares distribuídos de forma gratuita na Região Metropolitana de BH e cidades do interior. Desde então, já foram publicadas 416 edições, todas as sextas-feiras.

O jornal impresso ainda tem vida pela frente?

Para Larissa Costa, atual editora-geral do Brasil de Fato MG, para responder a essa pergunta é preciso prestar atenção à necessidade multimídia e multiplataformas que a comunicação tomou.

“Há a tendência de se pensar uma substituição, do impresso pela rede social, por exemplo, mas a realidade nos mostra que há uma convergência midiática muito forte. Hoje em dia, não é possível pensar só em impresso, ou só em rede social, ou só em programa de rádio. A gente tem passado por um momento histórico de convergir comunicação e jornalismo a partir de diversas plataformas”, analisa.

A editora exemplifica pela própria experiência do BdF. O jornal possui perfis nas principais redes sociais, envio de notícias pelo Whatsapp, produção de vídeos VTs e programas de rádio quase diários. Para cada uma das mídias, há um perfil de usuário, ouvinte e leitor distinto, do ponto de vista do letramento, da educação formal e da classe social.

“Se a esquerda está interessada em fazer uma divulgação mais ampla de ideias, na perspectiva de uma nova sociedade, não dá pra fazer isso descolado de uma construção comunicacional que seja para diversos públicos. A responsabilidade que a gente tem na construção de um jornal impresso tem a ver com acesso e ampliação do público para o qual a gente se destina”, argumenta.

Desde seu nascimento, o Brasil de Fato MG possui uma rede profissional de distribuição, que entrega a maior parte dos exemplares em pontos de ônibus e estações do metrô da Região Metropolitana de BH, nas primeiras horas da manhã de sexta. E em pontos de trabalhadores organizados, como sindicatos, também são prioridade.

Nas vantagens do jornal impresso cabe ainda destacar, segundo a editora, o papel de combate às notícias falsas. “Considerando que a maior parte das fake news são divulgadas via rede social, o jornal impresso, com qualidade, responsabilidade na apuração e rigor jornalístico, segue sendo fundamental”, finaliza.

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Relembre o editorial da primeira edição, em 1 de maio de 2013:

“Um Grito de Liberdade” - editorial da edição zero do Brasil de Fato MG:

Há muito tempo o povo mineiro sonha com um veículo de comunicação comprometido com uma visão popular de Minas, do Brasil e do Mundo. Um veículo de comunicação que esteja a serviço da transformação da realidade de desigualdade e exclusão. Que atenda aos ideais de democracia, pluralidade e diversidade na cobertura dos fatos.

Um jornal bonito, moderno e acessível a toda sociedade, mas principalmente à população trabalhadora, formadores de opinião e aos mais pobres.

Essa iniciativa requer ousadia e coragem. Ousadia porque queremos fazer um jornal de qualidade, com bons repórteres, bons artigos, que seja atraente e interessante ao conjunto da população. Coragem porque precisamos ter autonomia suficiente para não nos sujeitarmos à lógica de mercado, que tenderia a deturpar o projeto.

As condições foram criadas. E temos a alegria de, a partir de maio, colocar nas ruas, gratuitamente, o Brasil de Fato – Minas Gerais. Sem dúvida, um grito de liberdade.

A população mineira e aos seus mais belos sonhos dedicamos as edições desse jornal.

E convidamos a cada um e cada uma a se somar conosco para viabilização desse grande instrumento de transformação e compromisso com o povo.

Edição: Elis Almeida