Minas Gerais

DESINVESTIMENTO

Mesmo com decisão do TCE-MG que barra privatização, especialistas temem sobre futuro da Codemge

Desde que Romeu Zema assumiu o governo, empresa responsável pelo desenvolvimento econômico do estado enfrenta impasses

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Imagem da fachada da Codemge - Foto: Guilherme Bergamini / ALMG

Após pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) barrou, mais uma vez, no início de outubro, o processo de venda da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) para o setor privado.  Porém, especialistas acreditam que é necessário ter atenção às próximas movimentações do governo de Romeu Zema (Novo).

Com o “Programa de gestão de portfólio”, a diretoria da Codemge e o governo estadual buscam vender os ativos da empresa, ou seja, patrimônios e participação em outras companhias, em uma estratégia que o TCE-MG chamou de “privatização indireta”, já que não passaria pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Criada em 2018 pela gestão de Fernando Pimentel (PT), a estatal é responsável pelo desenvolvimento econômico de Minas Gerais e reúne uma série de ativos e empresas públicas que atuam em áreas como mineração, energia, infraestrutura, turismo, entre outras.

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Desde que o atual governador assumiu seu primeiro mandato, em 2019, a empresa enfrenta uma série de impasses sobre a permanência de seu caráter público. Em maio deste ano, o TCE-MG já havia proibido a empresa de vender seus ativos. Porém, no mês seguinte, voltou atrás na decisão.

Weslley Cantelmo, que é economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, destaca que, nos últimos anos, a gestão da empresa já tem deixado de cumprir seu papel estratégico, fazendo com que, na prática, o processo de privatização já esteja acontecendo.  Para ele, o caráter público da Codemge seria fundamental para que Minas Gerais desempenhasse um projeto de reindustrialização.

“O Brasil passa por um processo rigoroso de desindustrialização, e Minas Gerais é talvez um dos estados onde esse processo fica mais evidente. Nós perdemos muitas indústrias de bens de capital e temos cada vez mais nos especializado em atividades agroexportadoras. Isso gera poucos empregos e pouca renda. O papel que a Codemge poderia desempenhar é de pegar essas participações que ela possui e financiar investimentos em novas atividades”, explica Weslley.

Privatização indireta

Weslley Cantelmo afirma que, ao invés de ampliar os investimentos em Minas Gerais, a Codemge tem operado ao contrário. “O que tem acontecido nos últimos anos é uma política de desinvestimento, na qual a Codemge abre mão das participações e se desfaz dos ativos que controla. Isso, na prática, é um processo de privatização indireta e é bastante danoso para o estado”, conclui o economista.

Entre os importantes ativos de responsabilidade da empresa, está a maior jazida de nióbio do mundo, que fica no município de Araxá, na região do Alto Paranaíba, e é administrada pela Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig), estatal da qual a Codemge é acionista majoritária.

A extração do nióbio garante um repasse de 25% para o estado, gerando, em média, uma arrecadação anual de aproximadamente R$ 300 milhões. Ainda assim, em setembro deste ano, o presidente da Codemge, Thiago Toscano, declarou à imprensa que “foram desenhadas diversas formas de caminhar com a privatização” da Codemig.

:: Leia mais: Conheça a Codemig, empresa de lucro bilionário que Zema quer vender ::

Ameaça ao patrimônio histórico e cultural

A Codemge também é responsável pela gerência do Expominas e do Centro Cultural Itamar Franco, em Belo Horizonte; do Parque das Águas de Caxambu, em Caxambu; da Thermas Antônio Carlos, em Poços de Caldas; do Grande Hotel de Araxá, em Araxá; e do Teatro Paschoal Carlos Magno, em Juiz de Fora, além de outros patrimônios do governo de Minas Gerais.

Assim, outra preocupação com o processo de privatização da empresa é sobre como será o futuro desses espaços, que cumprem papel cultural e social importantes para a população mineira.

Ana Paula Lemes de Souza, que é doutoranda em direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), teme que a gestão privada priorize o lucro em detrimento do interesse público.

“Esses setores são fundamentais para o desenvolvimento econômico e social de Minas Gerais. Por isso, manter o controle público sobre eles garante que os interesses da população e do Estado sejam priorizados. A privatização poderia levar a uma busca excessiva pelo lucro, prejudicando a qualidade do serviço prestado, além de colocar em risco o patrimônio dos mineiros”, avalia.

Consultora e assessora jurídica de organizações da sociedade civil do Circuito das Águas do Sul de Minas, a pesquisadora destaca que a desestatização da Codemge pode trazer sérios impactos para o Parque das Águas de Caxambu. Ela conta que, muito mais do que ponto turístico, existe uma relação tradicional, histórica e afetiva entre os moradores da região e o parque.

“Há um risco significativo de degradação em todos os sentidos. Empresas privadas priorizam o lucro sobre a preservação do patrimônio histórico e cultural, levando a práticas de gestão que comprometem a integridade do local”, comenta Ana Paula.

Incerteza sobre o Espaço Cultural Itamar Franco

Na capital mineira, Lina Rocha, jornalista e empregada pública da Rádio Inconfidência e presidenta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, tem a mesma preocupação com o Espaço Cultural Itamar Franco. Criado há oito anos, além de abrigar a Sala Minas Gerais, onde acontecem as apresentações da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, a Fundação TV Minas e a Rádio Inconfidência,  o espaço é aberto ao público para práticas de lazer.

“A ocupação desse espaço é livre, as pessoas têm uma sensação de pertencimento, fazem caminhadas, levam seus cães, fazem atividades físicas, tem a realização de shows e feiras culturais. Com uma possível privatização, como seria essa relação? Continuaríamos a ter uma democratização do espaço? Porque a gente não sabe qual vai ser o tipo de relação de uma empresa privada com  a população que circula ali hoje”, indaga Lina Rocha.

Outra preocupação da jornalista é como ficarão a Sala Minas Gerais e os espaços utilizados pelas emissoras. Atualmente, elas não pagam aluguel, por serem públicas e ocuparem um espaço que também é público.

“Então, quando você privatiza, imagino que  a  empresa que for gerir o espaço fará a cobrança de um aluguel que a gente sabe que será bastante caro, causando um grande ônus aos cofres públicos. Outra questão é que esses espaços foram organizados e equipados para serem o que são hoje. Se por um acaso elas tiverem que sair de onde estão, a gente pensa que além de pagar um aluguel que pode ser oneroso para o estado ainda tem a questão de para onde vão os equipamentos”, questiona Lina.

Edição: Larissa Costa