Minas Gerais

RETROCESSO

Movimentos sociais e especialistas em política urbana denunciam ataques ao Plano Diretor de BH

Prestes a entrar em vigor, vereadores colocam em risco direitos previstos, como moradia e participação popular

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Principal ponto de disputa é a execução da outorga onerosa - Foto: Amélia Gomes / Brasil de Fato

O Plano Diretor de Belo Horizonte entra em vigor no dia 5 de fevereiro. O documento estabelece diretrizes para o desenvolvimento urbano na cidade, determinando, por exemplo, como será a aplicação de recursos do Executivo para o setor habitacional.

No entanto, o novo presidente da Câmara de Vereadores, Gabriel Azevedo (sem partido), em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), propuseram, no último dia 17, um pacote de medidas que alteram pilares fundamentais do plano.

 

Na avaliação de movimentos populares, parlamentares e especialistas em políticas urbanas, as propostas significam um grande retrocesso para os belo-horizontinos. O principal ponto de disputa é a execução da outorga onerosa. A medida estabelece uma contrapartida financeira cobrada dos grandes empreendimentos imobiliários sempre que a área construída (somando os diferentes andares e descontados afastamentos e outros espaços) for maior que o próprio terreno.

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A outorga também determina que o dinheiro arrecadado seja destinado à garantia de moradias populares e de infraestrutura em áreas da cidade com menor desenvolvimento urbano.

Apesar de o plano ter sido aprovado em 2019, foi garantido ao setor imobiliário um prazo de três anos para se adequarem às novas regras até a execução das diretrizes. No entanto, no pacote proposto pela Fiemg, o setor pede nova extensão do prazo.

Na avaliação de Ednéia Aparecida de Souza, presidenta do Centro Comunitário do Conjunto Taquaril e diretora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), a solicitação é uma manobra para derrubar o avanço conquistado.


Imagem: LabCidade USP

“A outorga onerosa é a espinha dorsal do plano para garantir justiça social e tributária em Belo Horizonte. É o instrumento que vai distribuir recursos para as áreas esquecidas de investimento, levando moradia, saneamento, mobilidade, infraestrutura e geração de emprego e renda para as regiões mais pobres da cidade”, explica.

“Eles [empresários] acham injusto ter que devolver qualquer coisa para cidade, só admitem que a cidade cresça se for para beneficiar eles mesmos”, completa Ednéia.

Fragilização do debate público

Outra medida proposta pelo setor econômico é o fim da obrigatoriedade da realização de conferências públicas para alterações no Plano Diretor. Atualmente, a Lei 11.181/2019, que institui o plano, determina que uma revisão no texto só é possível após oito anos da promulgação. Além disso, as sugestões devem estar embasadas em propostas elaboradas durante as conferências.

Essa organização de construção do plano é uma determinação constitucional, prevista, desde 2001, no Estatuto das Cidades. O texto das diretrizes de Belo Horizonte, que entra em vigor neste ano, é fruto de debates realizados durante quatro anos na Conferência Municipal de Política Urbana.

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Na avaliação de Elisabete de Andrade, doutora em planejamento urbano e representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), uma flexibilização para alterações no plano só enfraquecerá o instrumento popular de construção da cidade. "Estão mudando as regras do jogo no meio do jogo, isso é inconstitucional", ressalta.

“O setor econômico ameaça a população e impõe que a cidade deve crescer só com base nas regras dos empresários. A qual crescimento eles se referem? Deles próprios ou da população? Isso precisa ser explicado para o povo", completa Elisabete.

Preocupação no Executivo

Em abril do ano passado, setores sociais denunciaram que um dos impactos da substituição de Maria Caldas, então secretária de Políticas Urbanas, pelo representante do setor econômico João Antônio Fleury Teixeira, seria o enfraquecimento e desmonte do Plano Diretor. A troca aconteceu após ataques do setor imobiliário de Belo Horizonte contra a gestora, que mantinha uma defesa irredutível das diretrizes.

Contra-ataque

Na quarta-feira (1), dezenas de manifestantes ocuparam a Câmara de Belo Horizonte em protesto contra o pacote de medidas da Fiemg.  Além do ato, o setor também tem organizado outras ações em defesa do plano, como um abaixo-assinado, que já conta com mais de 1,2 mil participações.

A vereadora Iza Lourença (PSOL) afirma que haverá mobilização no Legislativo municipal para garantir os direitos da população da cidade. “Vamos lutar para que não se faça valer a voz do empresariado dentro da Câmara. E é a luta popular que vai fortalecer a nossa atuação, para que consigamos barrar no plenário esses retrocessos”, conclama.


Protesto realizado na Câmara Municipal de BH nesta quarta, 1º de fevereiro / Foto: Rafaella Dotta / Brasil de Fato

O Instituto de Arquitetos do Brasil, integrante do Compur, juntamente com outras entidades, organiza uma moção de repúdio ao pacote de alterações que será apresentada ao conselho.

Em nota, a equipe técnica da Subsecretaria de Planejamento Urbano de Belo Horizonte (Suplan), uma das entidades responsáveis pela construção do Plano Diretor, manifestou repúdio ao pacote de alterações. Os trabalhadores afirmam que as medidas inviabilizam o desenvolvimento da cidade e anulam conhecimentos técnicos e multidisciplinares “duramente elaborados”.

“Procurar alterá-lo [plano] sem debate amplo e fora dos prazos previstos para tal, seria ignorar ou, no mínimo, procurar invalidar todos os estudos e o longo processo democrático que levou à construção da Lei”, diz o texto.

Edição: Larissa Costa