Minas Gerais

RETROCESSO

Trabalho das assessorias pode ficar inviável nas regiões atingidas pela barragem da Vale

Entidades que atuam na bacia do Paraopeba e represa de Três Marias tiveram redução abrupta de quase metade do recurso

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Assessorias Técnicas Independentes é uma conquista dos atingidos por barragens - Ana Carolina Vasconcelos

Uma das principais conquistas dos atingidos pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) correm o risco de ter seu trabalho inviabilizado, devido à redução de 45% do orçamento previsto para o primeiro semestre deste ano.

A decisão foi comunicada, na última semana, pelas instituições de Justiça de Minas Gerais. Porém, no final do ano passado, as assessorias já tinham apresentado seus planos de trabalho para os próximos três anos e vinham desenvolvendo as atividades com base no teto estipulado pelos documentos, que haviam sido aprovados. Com a notícia do corte financeiro, o cenário ficou preocupante.

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É o que explica Júlia Nascimento, gerente da ATI Instituto Guaicuy.  Ela alerta que, caso a decisão judicial seja seguida ao pé da letra, a tendência é de que as assessorias deixem de existir nos territórios.

“O impacto será extremamente drástico. Hoje, as assessorias têm recurso apenas para demitir seus funcionários. O que nós previmos no plano de trabalho eram aproximadamente 600 profissionais, ao longo de toda a bacia do Paraopeba e da represa de Três Marias, atendendo e trabalhando com os atingidos para a garantia dos direitos e da reparação integral. Com a redução, as três assessorias não ficariam nem com dez funcionários”, explica Júlia.

Além do Instituto Guaicuy, outras duas ATIs atuam na região: a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) e o Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab).

Na ponta, quem mais deve sentir os impactos do abrupto corte orçamentário são justamente os moradores das comunidades atingidas que, mesmo passados quatro anos do crime que chocou o Brasil e o mundo, ainda não tiveram garantido seu direito à reparação.

“A forma como está desenhado o corte faz com que a gente não consiga se organizar para prestar o melhor assessoramento para as pessoas atingidas, tornando nossa atuação inviável. Precisaremos fazer em dois meses a reestruturação de um teto que foi decidido em março, mas que deve contemplar desde o mês de janeiro”, enfatiza Flávia Maria de Oliveira Gondim, uma das coordenadoras da Aedas.

:: Leia mais: Especial | Rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), completa 4 anos ::

Importância das assessorias

Em 2021, os atingidos conquistaram, por meio de uma ação civil pública, que a Vale deveria pagar pelos danos causados pelo crime em Brumadinho. Com o objetivo de auxiliar as famílias a construírem o levantamento e diagnóstico dos impactos, as ATIs passaram a atuar com as comunidades.

A ideia era de que, dessa forma, não existisse uma disparidade tão grande entre uma pessoa atingida e a empresa, que possui estrutura financeira, política e jurídica.

Além dos levantamentos de danos, as assessorias têm cumprindo papel relevante ao acompanhar as famílias, realizar consultas públicas, desenvolver estudos quanto à contaminação dos rios e monitorar a saúde dos atingidos.

Fernanda Portes, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ressalta que as ATIs têm sido um importante instrumento de participação das comunidades atingidas.

“Quando defendemos o conceito de atingido por barragem, estamos falando de direito, de participação e do poder de tomar a decisão sobre que tipo de reparação deve ser feita”, destaca.

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Para ela, as ATIs seguem sendo fundamentais para dar aos atingidos mais subsídios para lutar pela garantia de seus direitos.

“A Vale não fez a reparação ambiental e nem a indenizatória. Ela não foi condenada e ainda virão mais danos, como as enchentes. Então, a presença dos técnicos segue sendo necessária. Tem sido muito mais pautado recurso do acordo para o Estado do que para os atingidos”, avalia Fernanda.

O recurso para o trabalho das assessorias vem do acordo firmado entre a Vale, as instituições de Justiça e o governo de Minas para a reparação do crime. Ainda que o pacto seja de quase R$ 40 bilhões, a quantia destinada a atividades como as desenvolvidas pelas ATIs é de apenas R$ 700 milhões, menos de 2% do valor total.

Marília Fontes, do Nacab, comenta que é comum o discurso de que as assessorias são caras. Porém, diante do montante de recursos do acordo, a parte destinada para as entidades de apoio é muito pequena.

“A gente sabe que a assessoria não é para ficar para sempre, ela tem um prazo para sair do território e é justamente isso que as peças técnicas que compõem nosso plano de trabalho diziam, que íamos ter uma desmobilização parcial ao longo dos três anos, sem ser nada abrupto”, afirma.

Para onde vai o dinheiro

Na segunda-feira (13), o MAB enviou um pedido de esclarecimento aos representantes da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG), do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) e do Ministério Público Federal (MPF).

No documento, o movimento destaca que, com exceção do corte orçamentário para os primeiros seis meses de 2023, as instituições não informaram o montante global que será destinado para que as ATIs desenvolvam suas atividades.

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O MAB ainda relatou ter preocupação com a hipótese de a verba ter outras utilizações diversas.

“Primeiro, queremos saber quanto é o dinheiro para as ATIs, que até agora não falaram. Segundo, quem está gastando o dinheiro? Queremos prestação de contas. Não vamos aceitar ficar sem as assessorias”, indagou Joceli Andrioli, membro da coordenação do movimento.

Edição: Larissa Costa